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A revolução silenciosa dos créditos sustentáveis: como os bancos estão a mudar as regras do jogo

Num discreto escritório em Lisboa, um grupo de analistas financeiros examina não apenas balanços e rácios de cobertura, mas também relatórios de emissões de carbono e certificados de eficiência energética. Esta cena, que poderia pertencer a um filme de espionagem corporativa, é a nova realidade dos departamentos de crédito em Portugal. Enquanto o público discute taxas de juro e spreads, uma transformação mais profunda está a ocorrer nos bastidores: a ascensão dos créditos sustentáveis.

Os dados são reveladores. Segundo informação recolhida junto de várias instituições financeiras, os empréstimos vinculados a critérios ambientais, sociais e de governação (ESG) cresceram mais de 300% nos últimos dois anos em Portugal. Não se trata apenas de greenwashing ou de campanhas de marketing. Bancos como o Millennium BCP, Santander e Novo Banco estão a implementar sistemas de scoring que penalizam empresas com más práticas ambientais e recompensam aquelas que investem em transição energética.

O que significa isto para o comum dos portugueses? Imagine que pretende comprar uma casa. Dois candidatos com perfis idênticos a nível de rendimentos e histórico creditício apresentam-se a um banco. Um pretende adquirir um apartamento num edifício com certificado energético A+, com painéis solares e sistema de reaproveitamento de águas. O outro olha para uma vivenda dos anos 80, sem qualquer isolamento térmico e com uma classificação energética F. Pela primeira vez na história do crédito à habitação em Portugal, o primeiro candidato poderá ter não apenas condições mais favoráveis, mas também maior probabilidade de ver o seu empréstimo aprovado.

Esta mudança de paradigma está a criar divisões interessantes no tecido empresarial português. Pequenas e médias empresas que investiram precocemente em eficiência energética estão agora a colher os frutos, com linhas de crédito especiais e taxas diferenciadas. Por outro lado, sectores tradicionais com elevada pegada carbónica enfrentam dificuldades crescentes no acesso a financiamento. Um empresário do sector dos plásticos confessou-nos, sob condição de anonimato, que três bancos recusaram recentemente o refinanciamento da sua empresa, citando precisamente a "incompatibilidade com os objectivos de sustentabilidade da instituição".

Mas será esta revolução tão limpa quanto parece? Especialistas contactados pela nossa redacção alertam para riscos ocultos. "Estamos a criar uma nova bolha", avisa Maria Inês Santos, professora de Finanças na Universidade Católica. "Quando todos os bancos correm na mesma direcção, corremos o risco de desvalorizar activos perfeitamente funcionais e de estrangular sectores que ainda não tiveram tempo de se adaptar." A académica refere-se, por exemplo, ao sector automóvel, onde concessionários de veículos a gasóleo enfrentam já dificuldades em obter crédito para stock, mesmo quando os carros são novos.

Nos corredores da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, a mudança é vista com optimismo cauteloso. "Finalmente estamos a alinhar o sistema financeiro com as necessidades reais da economia e do planeta", diz-nos um responsável que prefere não ser identificado. Mas admite preocupações: "Temos de garantir que os critérios ESG são aplicados de forma consistente e transparente. Não podemos permitir que se tornem numa nova forma de discriminação arbitrária."

No terreno, as histórias multiplicam-se. Na região do Alentejo, uma cooperativa agrícola conseguiu reduzir em 40% os juros do seu crédito após instalar um sistema de irrigação inteligente que poupa milhões de litros de água anualmente. No Porto, uma fábrica têxtil viu o seu limite de crédito aumentar após certificar que 95% da sua energia provém de fontes renováveis. Estas não são excepções, mas antes exemplos de uma tendência que está a redefinir as regras do crédito em Portugal.

O que reserva o futuro? Fontes próximas do Banco de Portugal indicam que está em estudo a criação de requisitos mínimos de sustentabilidade para todos os créditos acima de determinado montante. Paralelamente, a União Europeia prepara directivas que poderão tornar obrigatória a divulgação da "pegada de carbono" associada a cada empréstimo. Estamos, portanto, perante uma mudança estrutural, não uma moda passageira.

Para o consumidor final, a mensagem é clara: a próxima vez que negociar um crédito, pergunte não apenas pela TAEG e pelas comissões, mas também pelos critérios de sustentabilidade aplicados. A sua carteira - e o planeta - agradecerão.

Esta transformação silenciosa do sistema creditício português representa talvez a mais significativa mudança nas finanças desde a introdução do euro. Está a redefinir não apenas como pedimos dinheiro emprestado, mas sobretudo para que fins esse dinheiro pode ser usado. Num país que precisa urgentemente de modernizar a sua economia e reduzir a sua dependência energética, os créditos sustentáveis podem ser a alavanca que faltava. Resta saber se seremos suficientemente inteligentes para usar essa alavanca com sabedoria.

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