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O labirinto dos créditos ao consumo: como os portugueses estão a ser apanhados na teia da dívida fácil

Nas ruas de Lisboa, Porto ou Faro, os anúncios saltam aos olhos como cogumelos depois da chuva: 'Crédito rápido', 'Dinheiro imediato', 'Sem fiadores'. São promessas sedutoras num país onde o ordenado mínimo mal chega para o essencial e onde, segundo dados do Banco de Portugal, o endividamento das famílias ronda os 120% do rendimento disponível. Mas por detrás desta aparente solução mágica esconde-se um labirinto de taxas, comissões e cláusulas que transformam o alívio imediato numa dívida de longo prazo.

A investigação começou numa pequena agência de crédito no centro comercial de um subúrbio lisboeta. Na parede, um cartaz prometia '5.000 euros em 24 horas'. O gestor, que pediu para não ser identificado, explicou o mecanismo com a frieza de quem vende pão: 'As pessoas vêm aqui desesperadas. O crédito pessoal tem uma taxa de juro que pode ir aos 12%, mas o crédito ao consumo, associado a um bem específico, chega facilmente aos 20%. E depois há os seguros, as comissões de processamento...' A matemática é simples: um empréstimo de 3.000 euros para comprar um sofá pode acabar por custar mais de 5.000 euros ao final de cinco anos.

Mas o verdadeiro buraco negro está nos créditos renováveis, aqueles cartões que permitem levantar dinheiro até um certo limite. 'É como ter uma mina no bolso', confessa Marta, assistente administrativa de 34 anos. 'Comecei com 500 euros para pagar a renda atrasada. Dois anos depois, devia 4.000 euros e os juros eram tão altos que o valor quase não baixava, mesmo pagando religiosamente todos os meses.' Esta espiral é alimentada por uma prática comum: as instituições oferecem aumentos de limite automaticamente, criando a ilusão de que se tem mais capacidade financeira do que a real.

O Observador da Supervisão Bancária tem emitido alertas sobre estas práticas, mas a regulamentação parece correr atrás da inovação financeira. Enquanto isso, surgem novas formas de crédito através de fintechs e aplicações que prometem aprovação em minutos, muitas vezes com algoritmos que analisam não apenas o histórico bancário, mas também as redes sociais e os padrões de consumo. 'Estamos a criar uma geração de escravos digitais da dívida', avisa um economista que prefere manter o anonimato por trabalhar com uma das maiores instituições financeiras do país.

Nos bastidores do setor, os números são elucidativos: segundo o Jornal Económico, o volume de crédito ao consumo em Portugal cresceu 8,7% no último ano, impulsionado não pela melhoria das condições de vida, mas pela estagnação salarial e pelo aumento do custo de vida. As famílias recorrem ao crédito não para comprar luxos, mas para pagar a educação dos filhos, o arranjo do carro que precisam para trabalhar ou as despesas médicas não cobertas pelo SNS.

A solução, defendem alguns especialistas consultados pelo Jornal de Negócios, passa por uma educação financeira que comece nas escolas e por uma regulação mais dura sobre a publicidade ao crédito. 'Não se pode permitir que se venda dívida como se fosse um chocolate', argumenta uma responsável da DECO. Mas enquanto isso não acontece, milhares de portugueses continuam a cair na armadilha dourada do crédito fácil, onde o brilho inicial se transforma rapidamente numa corrente que limita escolhas, adia sonhos e compromete o futuro.

Nas últimas semanas, o ECO Sapo noticiou que a Comissão Europeia está a preparar diretivas mais rigorosas para o crédito ao consumo, mas a sua implementação em Portugal pode demorar anos. Entretanto, as agências multiplicam-se, os anúncios inundam as redes sociais e o ciclo repete-se: necessidade, empréstimo, alívio temporário e depois a longa caminhada para pagar juros sobre juros. É a economia do desespero, disfarçada de oportunidade, que está a moldar o quotidiano de muitas famílias portuguesas.

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