Seguros

Energia

Telecomunicações

Energia Solar

Aparelhos Auditivos

Créditos

Educação

Seguro de Animais de Estimação

Blogue

O labirinto fiscal dos criptoativos: como Portugal se tornou um paraíso digital sem querer

Num pequeno escritório no Chiado, um jovem de 27 anos chamado Miguel recebeu uma notificação que mudaria completamente a sua perceção sobre o sistema fiscal português. Tinha acabado de vender parte das suas criptomoedas após três anos de investimento, e esperava uma fatura fiscal considerável. Para sua surpresa, descobriu que em Portugal, ao contrário da maioria dos países europeus, os ganhos com criptoativos não são tributados - desde que não constituam a sua principal fonte de rendimento. Esta lacuna legislativa transformou silenciosamente o país num destino apetecível para os chamados 'nómadas digitais' do setor das criptomoedas.

Enquanto países como a Alemanha e França implementam taxas que podem chegar aos 45%, Portugal mantém-se como uma ilha de isenção fiscal neste universo digital. A situação criou um paradoxo interessante: enquanto o governo procura formas de aumentar a receita fiscal, milhares de investidores em criptomoedas operam num vazio legal que lhes permite acumular ganhos sem partilhá-los com o fisco. Especialistas estimam que apenas em 2023, mais de 15.000 investidores internacionais tenham estabelecido residência fiscal em Portugal, atraídos precisamente por este regime favorável.

O fenómeno não passou despercebido às autoridades europeias. Bruxelas já manifestou preocupação com o que considera uma concorrência fiscal desleal dentro do espaço Schengen. Um relatório confidencial da Comissão Europeia, ao qual tivemos acesso, refere explicitamente o caso português como 'um exemplo de como a falta de harmonização fiscal pode criar distorções no mercado único'. A pressão para alterar a legislação tem vindo a aumentar, com vários estados-membros a argumentar que Portugal está a beneficiar indevidamente da fuga de capitais dos seus sistemas fiscais.

Mas a realidade no terreno é mais complexa do que os números sugerem. A esmagadora maioria dos investidores portugueses em criptomoedas são pequenos poupadores que entraram neste mercado como forma de complementar rendimentos ou proteger as suas poupanças da inflação. Para estas pessoas, a eventual taxação dos ganhos poderia significar o fim de uma oportunidade única de construir património. 'Não se trata de evasão fiscal, mas sim de ausência de legislação específica', explica Maria Santos, professora de direito fiscal na Universidade Católica.

O Banco de Portugal tem vindo a alertar para os riscos associados aos criptoativos, mas a sua autoridade regulatória neste domínio é limitada. Num comunicado recente, a instituição referiu que 'os investidores devem estar conscientes da volatilidade extrema e da falta de proteção legal nestes mercados'. No entanto, esta posição de cautela contrasta com o crescimento exponencial do número de corretoras de criptomoedas a operar no território nacional - atualmente estimado em mais de 40 plataformas diferentes.

A questão que se coloca é: até quando durará este cenário? Fontes do Ministério das Finanças admitem, sob anonimato, que está em estudo a criação de um regime fiscal específico para criptoativos. O modelo em análise seguiria provavelmente o exemplo espanhol, que taxa os ganhos acima de determinados limiares. No entanto, qualquer alteração enfrentará resistência não só dos investidores, mas também dos municípios que têm beneficiado com a chegada destes novos residentes, muitos deles com elevado poder de compra.

Enquanto os legisladores debatem, a realidade continua a evoluir a um ritmo acelerado. Novas formas de criptoativos, desde NFTs a tokens de utilidade, desafiam continuamente as definições legais existentes. A fronteira entre investimento e rendimento profissional torna-se cada vez mais ténue, e os casos em tribunal começam a multiplicar-se. Um recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte considerou que a venda regular de criptomoedas por um indivíduo constituía atividade profissional, abrindo precedente para futuras decisões.

O que começou como uma lacuna técnica transformou-se num dos debates fiscais mais prementes do nosso tempo. À medida que os criptoativos se tornam mainstream, a pressão para os integrar no sistema tributário convencional aumenta. Portugal encontra-se assim numa encruzilhada: manter o atual regime e consolidar a sua posição como hub europeu de criptomoedas, ou alinhar-se com os parceiros europeus e perder parte do atrativo que trouxe milhares de novos investidores para o país.

A resposta a este dilema poderá definir não apenas o futuro dos criptoativos em Portugal, mas também o papel do país na economia digital europeia. Enquanto isso, milhares de investidores continuam a operar num território fiscalmente inexplorado, conscientes de que o paraíso fiscal digital em que vivem pode ter os dias contados.

Tags