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O labirinto fiscal português: como as empresas navegam num sistema que asfixia a competitividade

Num pequeno escritório no centro de Lisboa, Miguel Santos despeja sobre a mesa uma pilha de documentos que quase chega ao tecto. São guias de IRS, declarações de IVA, formulários da Segurança Social e relatórios de contabilidade organizados em pastas coloridas. "Isto é apenas um trimestre da minha empresa", diz o empresário de 42 anos, com um sorriso cansado. A sua história não é única - é o retrato de milhares de pequenos e médios empresários que todos os dias se debatem com o que muitos especialistas chamam de "labirinto fiscal português".

O sistema tributário nacional tornou-se numa complexa teia de regulamentos, excepções e burocracias que consome tempo valioso e recursos financeiros que poderiam ser investidos no crescimento das empresas. Segundo dados recentes da OCDE, as empresas portuguesas gastam em média 260 horas por ano apenas para cumprir com as obrigações fiscais - quase o dobro da média europeia. Este tempo perdido em papelada representa oportunidades desperdiçadas de inovação e expansão.

A realidade é particularmente dura para as startups e pequenas empresas. Ana Rodrigues, fundadora de uma empresa tecnológica no Porto, conta-nos como quase desistiu no primeiro ano. "Contratei um contabilista a tempo parcial praticamente desde o início. Mesmo assim, havia sempre algum documento que faltava, algum prazo que não conhecia. Perdi um financiamento porque estava a tratar de questões fiscais quando devia estar a preparar a minha apresentação."

Mas o problema vai além da mera burocracia. A estrutura fiscal em si cria distorções significativas no mercado. O IRC, com a sua panóplia de regimes especiais e benefícios fiscais, acaba por favorecer algumas empresas em detrimento de outras, dependendo do seu sector de actividade, localização ou até mesmo do seu tamanho. Esta fragmentação do sistema cria desigualdades competitivas que prejudicam o desenvolvimento económico equilibrado.

A carga fiscal sobre o trabalho é outro ponto crítico. Portugal tem uma das mais altas taxas efectivas de impostos sobre o trabalho da OCDE, o que desincentiva a contratação e incentiva a economia informal. "É um ciclo vicioso", explica o economista Pedro Marques. "As empresas evitam contratar porque os custos são elevados, o que leva a menos postos de trabalho formais, o que por sua vez reduz a base tributária e força o governo a aumentar ainda mais os impostos."

A digitalização dos serviços fiscais, embora em curso, tem sido lenta e problemática. Muitos empresários queixam-se de plataformas que não comunicam entre si, exigindo a introdução repetida dos mesmos dados em sistemas diferentes. "Tenho de inserir a mesma informação no e-fatura, no portal das Finanças e no sistema da Segurança Social", queixa-se Carlos Silva, dono de um restaurante em Coimbra. "São horas de trabalho perdidas todas as semanas."

A complexidade fiscal também tem custos ocultos. As empresas são forçadas a contratar especialistas em fiscalidade, criando uma indústria paralela dedicada apenas a navegar no sistema. "O que gasto em consultoria fiscal podia estar a ser investido em equipamentos ou formação para os meus colaboradores", lamenta Miguel Santos.

Alguns países europeus oferecem lições valiosas. A Estónia, por exemplo, implementou um sistema fiscal simples e transparente que permite às empresas tratar de todas as suas obrigações fiscais online em poucos minutos. O resultado? Uma das taxas de criação de empresas mais altas da Europa.

Em Portugal, as reformas têm sido tímidas e fragmentadas. O Simplex, programa de simplificação administrativa, conseguiu alguns avanços, mas especialistas argumentam que são necessárias mudanças estruturais mais profundas. "Precisamos de uma reforma fiscal corajosa que simplifique realmente o sistema", defende a economista Sofia Almeida. "Não basta digitalizar processos complexos - é preciso simplificar os processos em si."

O impacto desta complexidade vai além das empresas. Acaba por afectar os preços aos consumidores, a competitividade das exportações portuguesas e até a atractividade do país para o investimento estrangeiro. Investidores internacionais muitas vezes desistem de estabelecer operações em Portugal depois de analisarem o ambiente fiscal.

Há, no entanto, sinais de esperança. A geração mais jovem de empresários está a pressionar por mudanças, usando as redes sociais e associações empresariais para fazer ouvir a sua voz. Plataformas digitais desenvolvidas por startups portuguesas começam a oferecer soluções que automatizam parte da burocracia fiscal.

O caminho à frente exige coragem política e visão estratégica. Simplificar o sistema fiscal não significa necessariamente baixar impostos - significa torná-lo mais transparente, previsível e eficiente. Significa criar condições para que as empresas possam focar-se no que realmente importa: criar valor, inovar e crescer.

Enquanto isso, nas empresas por todo o país, a batalha diária continua. Miguel Santos fecha a última pasta e suspira. "Amanhã há mais", diz, enquanto se prepara para mais uma reunião com o seu contabilista. A sua história é a de Portugal - um país de empreendedores resilientes que merecem um sistema fiscal à altura do seu potencial.

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