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O labirinto fiscal português: como as empresas navegam num sistema que promete simplificação mas entrega complexidade

Num gabinete com vista para o Tejo, o contabilista Miguel Santos despeja sobre a mesa três pastas repletas de documentos fiscais. "Isto é apenas um trimestre de uma PME média", diz, com um sorriso cansado. A cena repete-se diariamente em milhares de escritórios por todo o país, onde profissionais tentam desvendar o que muitos consideram ser um dos sistemas fiscais mais complexos da Europa. Enquanto o governo anuncia sucessivas medidas de simplificação, a realidade no terreno conta uma história diferente.

A promessa de desburocratização tornou-se um mantra político, mas os números contam outra narrativa. Segundo dados da Autoridade Tributária, apenas em 2023 foram introduzidas 47 alterações à legislação fiscal. Cada mudança, por mais bem-intencionada que seja, cria ondas de ajuste que se propagam por todo o tecido empresarial. "Parece que estamos sempre a aprender o jogo enquanto jogamos", confessa Carla Mendes, gestora de uma empresa de tecnologia com 15 colaboradores.

O fenómeno não é exclusivo de Portugal, mas assume contornos particulares no contexto luso. A sobreposição de regimes especiais, as exceções regionais e a coexistência de sistemas antigos com novos criam um mosaico regulatório que desafia até os mais experientes. "Temos clientes que operam sob três regimes fiscais diferentes simultaneamente", revela Pedro Almeida, consultor fiscal com 25 anos de experiência. "O custo de compliance pode chegar a 3% do faturamento nas pequenas empresas."

A digitalização, apresentada como solução milagrosa, trouxe seus próprios desafios. Plataformas que não comunicam entre si, prazos diferentes para obrigações semelhantes e a necessidade de manter arquivos físicos paralelos transformaram a simplificação num exercício de adição, não de subtração. "Substituímos papel por cliques, mas a complexidade manteve-se", observa Sofia Ramos, especialista em transformação digital.

As consequências vão além do incómodo burocrático. Estudos internacionais indicam que a complexidade fiscal desincentiva o investimento e favorece a economia informal. Empresas estrangeiras que consideram Portugal como destino frequentemente recuam após analisar o panorama fiscal. "Perdemos oportunidades de investimento que iam criar centenas de postos de trabalho", confirma um alto funcionário do AICEP que preferiu não ser identificado.

No terreno, as empresas desenvolvem estratégias de sobrevivência. Umas optam por externalizar toda a gestão fiscal, outras criam departamentos internos especializados. Ambas as soluções representam custos adicionais que poderiam ser canalizados para inovação ou expansão. "É como ter um imposto invisível sobre a produtividade", comenta um empresário do setor têxtil.

Os especialistas apontam para soluções que vão além das medidas pontuais. Defendem uma reforma estrutural que unifique regimes, elimine duplicações e crie um sistema coerente. "Precisamos de menos remendos e mais costura nova", argumenta a professora universitária Maria João Silva, autora de vários estudos sobre o tema.

Enquanto isso, no seu gabinete, Miguel Santos fecha as pastas e prepara-se para mais uma reunião com clientes. "O sistema é como um rio com muitas correntes", filosofa. "Aprendemos a navegá-lo, mas nunca deixamos de temer os redemoinhos." A metáfora resume o sentimento de muitos: adaptação constante num ambiente em permanente mudança, onde a única certeza é a incerteza.

O futuro, porém, traz sinais de esperança. Projetos-piloto de simplificação em municípios como Cascais e Porto mostram que é possível reduzir a burocracia sem comprometer a arrecadação. Tecnologias como blockchain e inteligência artificial prometem revolucionar a forma como interagimos com o fisco. "Estamos na antecâmara de uma mudança radical", antevê um tecnólogo do setor.

Mas até lá, as pastas continuam a acumular-se, os prazos a vencer-se e os profissionais a desdobrarem-se em explicações para clientes cada vez mais perplexos. A busca pelo equilíbrio entre arrecadação justa e simplicidade administrativa continua a ser um dos maiores desafios da economia portuguesa - um labirinto onde todos procuram a saída, mas poucos encontram o fio de Ariadne.

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