O labirinto fiscal português: como as empresas navegam num sistema que promove a fuga em vez da competitividade
Num pequeno escritório no centro de Lisboa, um contabilista de cabelos grisalhos abre o terceiro café da manhã enquanto desliza os dedos por uma pilha de documentos fiscais. "Isto não é contabilidade", diz ele, com um sorriso cansado. "Isto é arqueologia fiscal. Estamos sempre a desenterrar regras enterradas em decretos-lei de 1989 que ainda se aplicam hoje." A cena poderia ser cómica se não reflectisse uma realidade que sufoca a economia portuguesa: um sistema fiscal tão complexo que se tornou num labirinto onde até os especialistas se perdem.
A investigação levou-nos a dezenas de empresários, contabilistas e inspectores fiscais reformados que, sob condição de anonimato, descrevem um sistema que penaliza quem tenta cumprir as regras. "Há empresas que contratam três contabilistas diferentes só para interpretar o mesmo artigo do CIRS", confessa o director financeiro de uma PME tecnológica. "E cada um dá uma interpretação diferente."
O problema não está apenas na complexidade, mas na volatilidade. Nos últimos dez anos, Portugal teve sete ministros das Finanças, cada um trazendo as suas próprias alterações fiscais. Uma empresa média precisa de realocar cerca de 15% do tempo da sua equipa financeira apenas para se manter actualizada com as mudanças. "É como tentar construir uma casa enquanto alguém muda constantemente as leis da física", compara um empresário do sector têxtil.
Enquanto isso, os dados oficiais contam uma história preocupante. Portugal tem uma das mais altas taxas efectivas de imposto sobre as empresas da OCDE, mas simultaneamente apresenta uma das maiores taxas de evasão fiscal. Não é coincidência. Quando o sistema se torna incompreensível, a tentação de encontrar atalhos aumenta exponencialmente.
A ironia é que muitas das medidas concebidas para combater a fuga fiscal acabam por a incentizar. Os regimes especiais e benefícios fiscais multiplicam-se como cogumelos após a chuva, criando um mercado paralelo de especialistas que sabem navegar estas excepções. "Há consultores que ganham mais a ensinar empresas a pagar menos impostos do que o Estado consegue cobrar dessas mesmas empresas", revela um antigo inspector.
O custo desta complexidade vai muito além das receitas fiscais perdidas. Uma startup entrevistada durante esta investigação admitiu ter adiado a contratação de cinco engenheiros porque a equipa administrativa estava sobrecarregada com obrigações fiscais. Outra empresa de exportação desistiu de entrar num novo mercado porque os custos de compliance fiscal superavam os lucros potenciais.
Mas há luz no fim do túnel. Países como a Estónia e a Geórgia mostraram que a simplificação radical do sistema fiscal pode aumentar as receitas enquanto reduz os custos de compliance. O segredo, segundo especialistas internacionais consultados, não está em baixar impostos, mas em torná-los previsíveis e simples.
Em Portugal, alguns sinais começam a emergir. Um grupo de trabalho parlamentar multpartidário está a estudar propostas de simplificação, enquanto associações empresariais unem-se para pressionar por reformas. Mas o caminho é longo e cheio de obstáculos políticos.
O maior desafio pode ser cultural. Durante décadas, o debate fiscal em Portugal centrou-se em quem paga quanto, em vez de como se paga. Esta mentalidade precisa de mudar se quisermos construir um sistema que promova o crescimento em vez de o estrangular.
Enquanto isso, nas ruas de Lisboa, o contabilista do nosso início fecha o último dossiê do dia. "Às vezes sonho que sou fiscalista na Estónia", confessa, antes de guardar as chaves. "Lá, o sistema cabe numa página A4. Aqui, nem num camião TIR." A metáfora pode ser exagerada, mas a mensagem é clara: até que simplifiquemos o labirinto, continuaremos a perder não apenas receitas, mas também oportunidades de crescimento.
A investigação levou-nos a dezenas de empresários, contabilistas e inspectores fiscais reformados que, sob condição de anonimato, descrevem um sistema que penaliza quem tenta cumprir as regras. "Há empresas que contratam três contabilistas diferentes só para interpretar o mesmo artigo do CIRS", confessa o director financeiro de uma PME tecnológica. "E cada um dá uma interpretação diferente."
O problema não está apenas na complexidade, mas na volatilidade. Nos últimos dez anos, Portugal teve sete ministros das Finanças, cada um trazendo as suas próprias alterações fiscais. Uma empresa média precisa de realocar cerca de 15% do tempo da sua equipa financeira apenas para se manter actualizada com as mudanças. "É como tentar construir uma casa enquanto alguém muda constantemente as leis da física", compara um empresário do sector têxtil.
Enquanto isso, os dados oficiais contam uma história preocupante. Portugal tem uma das mais altas taxas efectivas de imposto sobre as empresas da OCDE, mas simultaneamente apresenta uma das maiores taxas de evasão fiscal. Não é coincidência. Quando o sistema se torna incompreensível, a tentação de encontrar atalhos aumenta exponencialmente.
A ironia é que muitas das medidas concebidas para combater a fuga fiscal acabam por a incentizar. Os regimes especiais e benefícios fiscais multiplicam-se como cogumelos após a chuva, criando um mercado paralelo de especialistas que sabem navegar estas excepções. "Há consultores que ganham mais a ensinar empresas a pagar menos impostos do que o Estado consegue cobrar dessas mesmas empresas", revela um antigo inspector.
O custo desta complexidade vai muito além das receitas fiscais perdidas. Uma startup entrevistada durante esta investigação admitiu ter adiado a contratação de cinco engenheiros porque a equipa administrativa estava sobrecarregada com obrigações fiscais. Outra empresa de exportação desistiu de entrar num novo mercado porque os custos de compliance fiscal superavam os lucros potenciais.
Mas há luz no fim do túnel. Países como a Estónia e a Geórgia mostraram que a simplificação radical do sistema fiscal pode aumentar as receitas enquanto reduz os custos de compliance. O segredo, segundo especialistas internacionais consultados, não está em baixar impostos, mas em torná-los previsíveis e simples.
Em Portugal, alguns sinais começam a emergir. Um grupo de trabalho parlamentar multpartidário está a estudar propostas de simplificação, enquanto associações empresariais unem-se para pressionar por reformas. Mas o caminho é longo e cheio de obstáculos políticos.
O maior desafio pode ser cultural. Durante décadas, o debate fiscal em Portugal centrou-se em quem paga quanto, em vez de como se paga. Esta mentalidade precisa de mudar se quisermos construir um sistema que promova o crescimento em vez de o estrangular.
Enquanto isso, nas ruas de Lisboa, o contabilista do nosso início fecha o último dossiê do dia. "Às vezes sonho que sou fiscalista na Estónia", confessa, antes de guardar as chaves. "Lá, o sistema cabe numa página A4. Aqui, nem num camião TIR." A metáfora pode ser exagerada, mas a mensagem é clara: até que simplifiquemos o labirinto, continuaremos a perder não apenas receitas, mas também oportunidades de crescimento.