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O lado oculto do crédito ao consumo: como os bancos portugueses estão a reinventar a dívida

Num pequeno escritório em Lisboa, uma funcionária bancária de 25 anos explica-me, com voz quase inaudível, como o seu banco treina os colaboradores para vender créditos pessoais. 'Chamam-lhe 'soluções de liquidez imediata', mas na prática são empréstimos com taxas que chegam aos 12%. O truque está no marketing: nunca usamos a palavra juros, falamos sempre em 'custo do dinheiro'.' A cena, gravada com o telemóvel escondido numa pasta, revela apenas a ponta do iceberg de uma indústria que movimenta milhares de milhões em Portugal sem que os consumidores percebam completamente as regras do jogo.

Enquanto o Banco de Portugal anunciava recentemente uma descida nas taxas de incumprimento, os dados que obtive através de fontes dentro de três grandes bancos portugueses contam uma história diferente. Os créditos ao consumo cresceram 8,3% no último trimestre, mas o que os relatórios não mostram é como essa expansão está a ser alimentada por produtos cada vez mais complexos. 'Os créditos consolidados são o novo eldorado', confessa-me um gestor de risco que pediu anonimato. 'Pegamos em cinco ou seis créditos pequenos, empacotamos tudo num só com prazo mais longo, e o cliente fica com a sensação de que resolveu os problemas quando na verdade vai pagar mais juros durante mais anos.'

A investigação levou-me a uma reunião discreta num hotel do Porto, onde representantes de instituições financeiras discutiam 'novas abordagens para captação de clientes'. Um slide projetado na parede mostrava uma estratégia preocupante: segmentação por vulnerabilidade. 'Os reformados com pensões acima da média são um alvo prioritário este ano', lia-se no documento que consegui fotografar. 'Oferecemos-lhes créditos com a desculpa de viagens ou obras em casa, sabendo que a taxa de aprovação supera os 90%.' Quando confrontado, o banco em questão negou qualquer prática predatória, mas os números falam por si: nos últimos dois anos, o crédito a pensionistas aumentou 34%.

Mas a verdadeira revolução está a acontecer nas fintechs que operam na sombra da regulamentação. Plataformas como a CrediFast e a MoneyNow oferecem aprovação em 15 minutos através de uma aplicação, usando algoritmos que analisam não apenas o histórico bancário, mas também os padrões de compras online e até a atividade nas redes sociais. 'É o crédito comportamental', explica-me um programador que trabalhou no desenvolvimento destes sistemas. 'Se detetamos que alguém faz muitas compras por impulso à noite, classificamos como bom candidato para empréstimos de última hora com taxas premium.'

O que mais surpreende nesta teia financeira é como as próprias garantias estão a ser reinventadas. Visitei um armazém em Loures onde se acumulam centenas de objetos retidos por créditos não pagos: desde joias de família a instrumentos musicais, passando por coleções de vinho e até direitos autorais de músicos pouco conhecidos. 'Aceitamos quase tudo como garantia hoje em dia', diz o responsável pelo espaço. 'O importante é que o cliente tenha uma ligação emocional ao objeto, porque assim a probabilidade de resgatar o empréstimo é maior.'

Enquanto escrevo estas linhas, recebo uma mensagem cifrada de uma fonte dentro da Associação Portuguesa de Bancos. Alertam-me para uma proposta que está a ser discutida nos bastidores: a criação de 'créditos educativos' para formação profissional, com taxas subsidiadas pelo Estado mas geridos por bancos privados. Parece nobre à primeira vista, até perceber que os cursos elegíveis seriam decididos pelas próprias instituições financeiras, criando um ciclo perverso onde os bancos financiam formações que depois lhes garantem clientes para outros produtos.

Nas ruas de Lisboa, o contraste é visível. Enquanto as agências bancárias tradicionais lutam para atrair clientes, as máquinas de crédito automático multiplicam-se em centros comerciais. Testei uma: em cinco minutos, sem falar com ninguém, tinha uma proposta de 5.000 euros. A taxa? 14,9% TAEG. O sistema não me perguntou sobre outras dívidas, não mencionou alternativas, não avisou sobre os riscos. Apenas ofereceu dinheiro rápido, como quem vende um café.

O Banco de Portugal mantém um discurso otimista, destacando a 'robustez do sistema financeiro', mas os especialistas com quem falei pedem cautela. 'Estamos a criar uma bolha de crédito ao consumo disfarçada de inclusão financeira', avisa uma economista que prefere não se identificar. 'Quando as taxas de juro subirem, vamos descobrir quantas famílias portuguesas estão a viver num castelo de cartas de dívida.'

Esta investigação durou quatro meses e envolveu conversas com dezenas de fontes, desde banqueiros a devedores, passando por reguladores arrependidos. O que encontrei não é ilegal - é pior. É um sistema legalmente perfeito, eticamente questionável e financeiramente perigoso, que transforma a necessidade em negócio e a vulnerabilidade em oportunidade. Enquanto isso, nas prateleiras dos supermercados, ao lado dos chocolates e das revistas, os folhetos de crédito continuam a sorrir, prometendo soluções fáceis para problemas complexos. O preço dessa facilidade, como descobri, esconde-se nas letras pequenas que ninguém tem paciência para ler.

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