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O lado oculto dos créditos ao consumo: como os bancos lucram com as nossas dívidas

No silêncio dos gabinetes com vista para o Tejo, os gestores bancários portugueses descobriram o seu novo eldorado. Enquanto os créditos à habitação estagnam, os empréstimos ao consumo dispararam 12% no último ano, segundo dados do Banco de Portugal. Mas o que poucos contam é como esta aparente democratização do crédito esconde mecanismos de lucro que deixariam corar até os mais aguerridos capitalistas.

Os spreads aplicados nestes produtos chegam a ser o triplo dos praticados nas hipotecas, transformando cada português endividado numa mina de ouro para as instituições financeiras. Um estudo da DECO revela que as famílias portuguesas pagam em média 400 euros anuais em juros apenas em cartões de crédito, um valor que duplicou desde 2019.

A estratégia é subtil: enquanto nos anúncios publicitários se fala em "taxas zero" e "pagamentos flexíveis", as letras pequenas escondem comissões de processamento, seguros obrigatórios e penalizações que transformam o crédito barato numa armadilha financeira. "É como oferecer o primeiro copo de álcool de graça", compara um antigo gestor do Millennium BCP que preferiu manter o anonimato. "Depois, quando o cliente está dependente, começam os custos reais."

Os dados oficiais mostram que o volume de crédito malparado ao consumo continua abaixo dos 4%, mas esta estatística esconde uma realidade mais complexa. Muitas famílias recorrem a novos empréstimos para pagar os antigos, criando uma espiral de endividamento que os bancos conhecem bem. "Há clientes que têm cinco ou seis créditos simultâneos em diferentes instituições", confessa uma analista de risco de um banco português.

A Autoridade de Supervisão Financeira tem vindo a alertar para o crescimento "preocupante" do endividamento das famílias, mas as medidas de contenção esbarram na realidade económica. Com os salários estagnados e a inflação a corroer o poder de compra, o crédito ao consumo tornou-se a única forma de muitas famílias manterem o seu nível de vida.

Os jovens entre os 25 e os 35 anos são o alvo preferencial das campanhas de marketing. Atraídos por ofertas de "primeiro crédito sem análise de histórico", muitos acabam por contrair dívidas que levarão anos a pagar. Um relatório da Faculdade de Economia do Porto estima que 30% dos licenciados com menos de 30 anos têm pelo menos um crédito pessoal em curso.

A digitalização trouxe novos perigos. As fintechs e os bancos digitais reduziram o tempo de aprovação de créditos de dias para minutos, eliminando barreiras que antes funcionavam como travões naturais ao endividamento excessivo. "Hoje, um jovem pode contrair um empréstimo de 5.000 euros durante o intervalo do almoço", alerta um especialista em literacia financeira.

O fenómeno não é exclusivamente português, mas em Portugal assume contornos particulares. A combinação entre baixos salários, custo de vida elevado e cultura de consumo criou o terreno fértil para esta explosão creditícia. E enquanto os economistas debatem os riscos macroeconómicos, nas cozinhas portuguesas, milhares de famílias contam os euros até ao próximo vencimento.

A solução, defendem os especialistas, passa por uma maior educação financeira e regulação mais apertada. Mas enquanto isso não acontece, os bancos continuam a contar os seus lucros enquanto os portugueses contam as suas dívidas. É o capitalismo na sua forma mais crua: onde há necessidade, há oportunidade de negócio.

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