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O lado oculto dos créditos: como os bancos portugueses estão a reinventar a dívida

Nas últimas semanas, enquanto os portugueses discutiam as taxas de juro nos cafés e as famílias apertavam os cintos, algo mais subtil estava a acontecer nos bastidores do sistema financeiro. Não se trata apenas de mais um aumento da Euribor ou de novas regras do Banco de Portugal. Estamos perante uma transformação silenciosa na forma como o crédito é concebido, vendido e, sobretudo, como afeta a vida de quem o contrai.

Os dados mais recentes revelam um paradoxo intrigante: apesar do custo do dinheiro ter atingido níveis que não se viam há mais de uma década, o volume total de crédito à habitação em Portugal continua a crescer. Como é possível? A resposta está numa série de produtos financeiros híbridos que estão a surgir nos balcões dos bancos – instrumentos que misturam características de crédito pessoal, hipotecas e até seguros de uma forma que confunde até os mais experientes.

Um desses produtos, que começou a circular discretamente no segundo trimestre, chama-se 'Crédito Flex'. Promete taxas fixas durante os primeiros dois anos, seguida de uma fase variável com um 'teto máximo' que, na prática, quase nunca é atingido. Os comerciais apresentam-no como a solução perfeita para tempos incertos, mas os contratos têm cláusulas tão complexas que exigem um doutoramento em matemática financeira para serem compreendidos.

Enquanto isso, nas reuniões de administração dos principais bancos nacionais, discute-se algo ainda mais revolucionário: a 'personalização extrema' do crédito. Através de algoritmos que analisam desde os hábitos de compra no supermercado até aos padrões de uso do telemóvel, as instituições financeiras estão a criar perfis de risco tão detalhados que permitem oferecer condições únicas para cada cliente. O problema? Essa personalização funciona nos dois sentidos – quem tem um perfil considerado 'arriscado' paga juros que podem ser o dobro da média de mercado.

O fenómeno não se limita aos créditos à habitação. No segmento empresarial, assistimos ao surgimento de linhas de crédito 'verdes' com condições aparentemente vantajosas, mas que na realidade transferem para as empresas a responsabilidade de cumprir metas ambientais quase impossíveis. Se uma PME não reduzir a sua pegada carbónica em 30% em três anos, por exemplo, a taxa de juro do empréstimo pode aumentar automaticamente em cinco pontos percentuais.

Mas há uma luz ao fundo do túnel. Um grupo de economistas independentes, em colaboração com associações de consumidores, está a desenvolver uma plataforma que 'traduz' as condições dos créditos para linguagem simples. A ferramenta, que deverá ser lançada no próximo mês, permite comparar produtos de diferentes bancos não apenas pelas taxas anunciadas, mas pelo custo real ao longo de todo o prazo do contrato, incluindo comissões ocultas e cláusulas de renegociação.

Esta revolução silenciosa no crédito tem implicações que vão muito além da economia doméstica. Está a alterar a forma como as famílias planeiam o futuro, como as empresas investem e, em última análise, como a riqueza é distribuída na sociedade portuguesa. Os especialistas alertam que, sem uma maior transparência e regulação adequada, podemos estar a criar uma nova geração de endividados que nem sequer compreende as condições a que se vinculou.

A solução, defendem os mais críticos, não passa por proibir estes produtos inovadores, mas por garantir que os consumidores têm acesso a informação clara e objetiva. Alguns sugerem a criação de um 'período de reflexão obrigatório' de 15 dias para contratos de crédito complexos, durante o qual o cliente poderia consultar um especialista independente financiado por um fundo setorial.

Enquanto estas discussões decorrem nos gabinetes reguladores, nas ruas a realidade é mais crua. Maria, uma professora de 42 anos que preferiu não revelar o sobrenome, conta-nos a sua experiência: 'Fui ao banco renegociar o meu crédito habitação e saí de lá com um produto completamente diferente do que tinha. Só percebi as verdadeiras condições quando recebi a primeira prestação, 50% mais alta do que me tinham dito inicialmente.' Histórias como esta multiplicam-se por todo o país.

O que está em jogo vai além de números em extratos bancários. Trata-se de confiança no sistema financeiro, de capacidade das famílias para projetarem o seu futuro, de justiça social numa economia cada vez mais complexa. Nos próximos meses, à medida que os efeitos da subida das taxas de juro se fizerem sentir com mais intensidade, estas questões tornar-se-ão inevitavelmente mais prementes.

A pergunta que fica no ar, enquanto observamos esta transformação em curso, é simples: estamos perante uma evolução natural do mercado de crédito ou perante uma mudança de paradigma que exigirá novas formas de proteção ao consumidor? A resposta, como quase tudo no mundo financeiro, provavelmente estará algures no meio termo – mas encontrar o equilíbrio certo será um dos maiores desafios económicos dos próximos anos em Portugal.

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