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O lado oculto dos créditos: como os bancos portugueses estão a reinventar o empréstimo no pós-pandemia

Num escritório com vista para o Tejo, um gestor de risco de um dos maiores bancos portugueses segura um relatório que nunca verá a luz do dia. As páginas detalham uma mudança silenciosa, mas radical, na forma como as instituições financeiras estão a avaliar quem merece – ou não – um crédito. Enquanto os portugueses enfrentam a inflação mais alta em décadas, os bancos estão a reescrever as regras do jogo, e poucos se aperceberam do que realmente está em causa.

Esta transformação começou nos confinamentos, quando os modelos de risco tradicional colapsaram. De repente, históricos de crédito impecáveis valiam menos do que a capacidade de um negócio se adaptar ao digital. Os bancos, forçados a uma pausa forçada, começaram a minerar dados que antes ignoravam: padrões de gastos em supermercados, assinaturas de streaming, até a frequência de entregas de comida. O que parecia invasivo revelou-se revolucionário.

Hoje, em Portugal, um freelancer com rendimentos voláteis mas uma pegada digital organizada pode ter mais facilidade em obter um empréstimo do que um funcionário público com décadas de serviço. Os algoritmos aprenderam a detetar resiliência onde antes só viam risco. "Estamos a passar de uma lógica de passado para uma lógica de futuro," confessa-nos, sob anonimato, uma fonte sénior do setor. "Avaliamos menos o que a pessoa foi e mais o que pode vir a ser."

Mas esta evolução tem um preço. A personalização extrema dos créditos criou um mercado fragmentado, onde duas pessoas com perfis semelhantes podem ter taxas de juro com diferenças superiores a 2%. A falta de transparência nestes novos critérios preocupa reguladores e associações de consumidores. Num café de Lisboa, Maria, 34 anos, designer gráfica, partilha a sua frustração: "Negaram-me um crédito habitação, mas aprovaram um empréstimo pessoal no dia seguinte. Ninguém me soube explicar porquê."

Os bancos defendem-se com inovação. Produtos como créditos "verdes" para eficiência energética ou empréstimos com taxas variáveis consoante o desempenho ambiental estão a ganhar terreno. A Caixa Geral de Depósitos lançou recentemente uma linha específica para negócios da economia circular, enquanto o Novo Banco criou mecanismos que recompensam a redução da pegada de carbono. São iniciativas louváveis, mas que escondem uma realidade: o acesso ao crédito está a tornar-se um privilégio para quem se enquadra em moldes cada vez mais específicos.

O Banco de Portugal já emitiu alertas sobre a potencial discriminação algorítmica. Num relatório recente, admite que "a automação pode reproduzir enviesamentos históricos sob um manto de objetividade". O risco é particularmente agudo em zonas rurais ou entre populações mais velhas, cuja pegada digital é menos visível para os novos modelos. Enquanto Lisboa e Porto fervilham com fintechs que prometem créditos em 24 horas, no interior o dinheiro continua a depender do olho no olho – quando há.

E depois há o elefante na sala: os créditos ao consumo. Com o aumento dos custos de vida, os portugueses estão a recorrer a empréstimos pessoais para cobrir despesas do dia-a-dia. Os volumes cresceram 18% no último trimestre, um sinal preocupante de fragilidade financeira. Os bancos, ávidos por margens, facilitam o acesso, mas especialistas alertam para uma bolha de endividamento que pode rebentar com o primeiro choque económico.

O futuro desenha-se numa encruzilhada. Por um lado, a inteligência artificial promete créditos mais justos e adaptados. Por outro, ameaça criar uma sociedade dividida entre os "legíveis" e "ilegíveis" para os algoritmos. A solução, defendem os mais críticos, passa por regulação inteligente que garanta transparência sem estrangular a inovação.

Enquanto isso, nas salas de reuniões dos bancos, continuam a ser tomadas decisões que moldarão a vida financeira dos portugueses nos próximos anos. O crédito deixou de ser um mero produto para se tornar um espelho das nossas vidas digitais – e poucos estão preparados para o que esse reflexo revela.

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