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O lado sombrio dos créditos rápidos: como as fintechs estão a reescrever as regras do endividamento em Portugal

Nas ruas digitais onde se negoceiam promessas de alívio financeiro, um novo ecossistema floresce sem fazer barulho. Não são os bancos tradicionais com as suas colunatas de mármore que estão a moldar o futuro do crédito em Portugal, mas sim empresas com nomes sonantes e interfaces que cabem na palma da mão. Enquanto o Banco de Portugal mantém os olhos fixos nas taxas de juro oficiais, um mercado paralelo de empréstimos instantâneos expande-se nas margens do sistema, desafiando as noções convencionais de risco e responsabilidade.

A investigação revela que, nos últimos dezoito meses, o volume de crédito concedido por plataformas fintech em Portugal triplicou, atingindo valores que desafiam a transparência. Estas empresas, muitas vezes registadas em paraísos fiscais europeus como Malta ou Chipre, operam num limbo regulatório que lhes permite contornar as restrições impostas aos bancos tradicionais. Os anúncios prometem "dinheiro em 15 minutos sem fiadores" - uma sirene para quem navega em águas financeiras turbulentas.

O que poucos percebem é o custo real destas operações. As taxas anuais equivalentes (TAE), quando devidamente calculadas incluindo todas as comissões e seguros embutidos, podem atingir valores superiores a 2.000%. Um empréstimo de 500 euros para pagar em 30 dias pode transformar-se numa dívida de 1.200 euros se houver um atraso mínimo no pagamento. Os algoritmos de aprovação, apresentados como neutros e eficientes, estão programados para identificar não quem pode pagar, mas quem tem maior probabilidade de renovar o empréstimo repetidamente, criando ciclos de dependência.

A linguagem utilizada nestas plataformas é cuidadosamente estudada para evitar termos como "juros" ou "dívida", substituindo-os por "taxa de serviço" ou "compromisso financeiro". Os contratos, acessíveis apenas após o registo completo do utilizador, contêm cláusulas que permitem a alteração unilateral das condições e a partilha de dados com terceiros para "fins comerciais". A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) confirmou que está a analisar várias queixas relacionadas com práticas comerciais agressivas, mas o processo é lento face à velocidade com que estas empresas se multiplicam.

Nas comunidades mais vulneráveis, o impacto é já visível. Associações de apoio social reportam um aumento de 40% no número de famílias que procuram ajuda devido a dívidas contraídas através destas plataformas. O perfil típico? Trabalhadores precários entre os 25 e 45 anos, com rendimentos mensais abaixo dos 1.000 euros líquidos, que recorrem aos créditos rápidos para cobrir despesas básicas como rendas ou contas de serviços essenciais. O que começa como uma solução pontual transforma-se rapidamente numa espiral que consome uma parte significativa do rendimento mensal.

Enquanto isso, os investidores internacionais celebram. As fintechs de crédito rápido estão entre as startups portuguesas que mais capital de risco atraíram no último ano, com rondas de financiamento que ultrapassam os 50 milhões de euros. Os relatórios aos investidores destacam a "alta taxa de retenção de clientes" e a "recorrência das operações" como pontos fortes do modelo de negócio - eufemismos para um sistema que lucra com a dificuldade em sair do ciclo de endividamento.

A resposta regulatória começa a ganhar forma, mas a passo de caracol. A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) anunciou que está a preparar novas regras para o sector, mas estas só deverão entrar em vigor no próximo ano. Entretanto, algumas autarquias começam a tomar medidas locais, limitando a publicidade destes serviços em espaços públicos e transportes. É uma gota num oceano de ofertas digitais que chegam diretamente aos smartphones dos potenciais clientes.

O paradoxo é evidente: num país que ainda sente as cicatrizes da última crise financeira, um novo modelo de endividamento massifica-se sob o manto da inovação tecnológica. As mesmas ferramentas que prometem democratizar o acesso ao crédito estão a criar novas formas de exclusão financeira, mais difíceis de detetar e combater do que as práticas tradicionais dos bancos. A questão que fica no ar é se Portugal está a assistir ao nascimento de um novo capítulo na história do crédito ou apenas a uma versão digitalizada de velhas armadilhas.

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