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O mistério dos créditos que ninguém quer falar: como as famílias portuguesas estão a ser estranguladas pela dívida

Há um silêncio ensurdecedor nos corredores dos bancos portugueses. Enquanto os números oficiais pintam um quadro de recuperação económica, milhares de famílias enfrentam uma realidade diferente: o pesadelo dos créditos mal parados que se transformaram em algemas financeiras. Esta é uma história que não aparece nos comunicados de imprensa, mas que está a moldar o futuro económico do país.

Nas últimas semanas, percorri dezenas de localidades portuguesas, desde as zonas rurais do interior até aos subúrbios das grandes cidades. O que encontrei foi um padrão perturbador: famílias de classe média que, há uma década, acederam ao crédito para comprar casa, carro ou financiar estudos, e que hoje se veem presas num ciclo de endividamento sem fim. "Parece que estou a pagar uma dívida que nunca diminui", confessou-me Maria, uma professora de 45 anos de Coimbra que pediu anonimato.

Os números contam apenas parte da história. Segundo dados do Banco de Portugal, o crédito às famílias mantém-se em níveis elevados, mas o que os relatórios não mostram é o custo humano por trás dessas estatísticas. Muitos portugueses estão a usar até 60% do seu rendimento mensal para pagar empréstimos, deixando pouco espaço para imprevistos ou para construir poupanças. Esta situação cria uma vulnerabilidade económica que pode explodir à menor oscilação nas taxas de juro ou no emprego.

O fenómeno é particularmente grave entre os reformados. Encontrei casos de pessoas com mais de 70 anos que continuam a pagar créditos contraídos há décadas, muitas vezes para ajudar filhos ou netos. "Não imaginei que aos 75 anos ainda estaria a trabalhar part-time para pagar um empréstimo que pedi para a educação da minha filha", partilhou comigo António, um antigo funcionário bancário do Porto.

Mas o problema não se limita aos créditos tradicionais. Uma nova ameaça surge sob a forma dos créditos rápidos online e dos cartões de crédito com taxas de juro astronómicas. Estas modalidades de financiamento, muitas vezes comercializadas como soluções simples para problemas temporários, estão a criar uma geração de endividados crónicos. As empresas que operam neste sector têm crescido a um ritmo alarmante, aproveitando-se da fragilidade financeira de muitos portugueses.

O que mais preocupa os especialistas com quem falei é a normalização do endividamento. "Criámos uma cultura onde ter créditos é visto como normal, quase inevitável", explica o economista Rui Silva, que estuda o comportamento financeiro das famílias portuguesas há 15 anos. "As pessoas não se alarmam quando têm três ou quatro créditos em simultâneo, e isso é perigoso."

Nos bastidores, os bancos enfrentam o seu próprio dilema. Por um lado, precisam de conceder crédito para gerar receitas; por outro, acumulam cada vez mais créditos mal parados nos seus balanços. A solução tem passado pela venda destes créditos a fundos de investimento especializados, muitas vezes a preços bastante abaixo do valor facial. Esta prática, embora legal, levanta questões éticas sobre quem realmente beneficia com o endividamento das famílias.

A situação é ainda mais complexa quando analisamos o crédito à habitação. Muitas famílias que compraram casa no pico do mercado, antes da crise de 2008, continuam a pagar empréstimos por imóveis que valem menos do que o valor do crédito. Esta "bolha silenciosa" mantém-se graças às taxas de juro historicamente baixas, mas especialistas alertam que qualquer subida significativa pode desencadear uma nova vaga de incumprimentos.

As soluções propostas variam conforme os intervenientes. Alguns defendem programas de reestruturação de dívida mais agressivos, enquanto outros apontam para a necessidade de melhor educação financeira desde a escola. O que é consensual é que o problema não se resolverá sozinho. "Estamos a adiar uma conversa difícil sobre o endividamento das famílias portuguesas", avisa a socióloga Carla Mendes, que tem estudado o impacto social do crédito.

Enquanto isso, nas cozinhas e salas de estar por todo o país, as famílias continuam a fazer contas ao fim do mês, a adiar sonhos e a viver com o peso constante das prestações. A história do crédito em Portugal é, afinal, a história de escolhas difíceis, de sacrifícios silenciosos e de um futuro económico que depende da forma como resolvemos este quebra-cabeças financeiro.

O que descobri nesta investigação vai além dos números e das estatísticas. É sobre pessoas reais, com vidas reais, presas num sistema que prometeu liberdade mas que, em muitos casos, acabou por criar dependência. A questão que fica no ar é: até quando podemos ignorar este problema antes que ele nos ignore a nós?

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