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O paradoxo do crédito em Portugal: famílias endividam-se enquanto empresas travam investimentos

Num cenário económico aparentemente contraditório, as famílias portuguesas continuam a recorrer ao crédito para fazer face ao aumento do custo de vida, enquanto as empresas travam os seus planos de investimento. Esta divergência está a criar fissuras na estrutura económica nacional que merecem uma análise mais aprofundada.

Os dados mais recentes do Banco de Portugal revelam que o crédito às famílias cresceu 3,2% no último trimestre, impulsionado principalmente pelos empréstimos para consumo e pela renegociação de hipotecas. As famílias, espremidas pela inflação que teima em não baixar para os níveis desejados, encontram no crédito uma tábua de salvação para manter o seu poder de compra. "É como tentar apagar um incêndio com gasolina", comenta um analista financeiro que prefere manter o anonimato.

Do outro lado da equação, as empresas apresentam uma postura radicalmente diferente. O crédito à atividade empresarial registou uma contração de 1,8% no mesmo período, refletindo a cautela dos gestores face às incertezas globais. As taxas de juro mais elevadas, combinadas com a desaceleração económica na Europa, estão a fazer com que muitos projetos de expansão fiquem na gaveta.

Esta dualidade cria um paradoxo preocupante: enquanto os consumidores continuam a gastar (muitas vezes com dinheiro emprestado), as empresas não estão a investir no futuro. O resultado é uma economia que vive do presente, sem construir as bases para o amanhã. Especialistas alertam que esta situação é insustentável a médio prazo.

A situação torna-se ainda mais complexa quando analisamos os diferentes setores. O imobiliário residencial mantém alguma dinâmica, beneficiando da procura de famílias que procuram casas mais eficientes energeticamente. No entanto, o imobiliário comercial e industrial mostra sinais evidentes de arrefecimento, com vários projetos adiados indefinidamente.

O setor do turismo, tradicional motor da economia portuguesa, apresenta também comportamentos divergentes. As pequenas e médias empresas do sector estão a recorrer a linhas de crédito para renovar as suas instalações, antecipando uma temporada alta promissora. Já os grandes grupos hoteleiros estão mais contidos nos seus investimentos, aguardando por sinais mais claros sobre a evolução da economia europeia.

A banca portuguesa encontra-se numa posição delicada. Por um lado, enfrenta pressão regulatória para ser mais rigorosa na concessão de crédito. Por outro, vê nos empréstimos às famílias uma fonte de receita importante num contexto de margens financeiras reduzidas. Esta tensão está a levar a uma maior selectividade na análise dos pedidos de financiamento.

Os especialistas consultados para esta análise apontam três cenários possíveis para os próximos meses. O primeiro, e mais otimista, prevê uma normalização gradual à medida que a inflação cede e o Banco Central Europeu começa a baixar as taxas de juro. O segundo cenário, mais pessimista, antevê um agravamento da situação caso a economia europeia entre em recessão. O terceiro cenário, e talvez o mais provável, é a manutenção deste paradoxo por mais algum tempo.

O que parece claro é que Portugal precisa de encontrar um equilíbrio entre o consumo imediato e o investimento no futuro. As políticas públicas terão um papel crucial nesta equação, seja através de incentivos ao investimento empresarial, seja através de medidas de apoio às famílias mais vulneráveis.

A lição que fica desta análise é que os números do crédito não contam toda a história. Por detrás das estatísticas há famílias a fazer contas ao fim do mês, empresários a adiar sonhos de expansão e uma economia nacional a tentar navegar num mar de incertezas. O verdadeiro desafio será conciliar estas realidades distintas num projeto comum de desenvolvimento sustentável.

Num país com uma relação histórica complexa com o endividamento, este momento representa um teste crucial à maturidade económica nacional. Como nos lembra um velho ditado financeiro: "quem não arrisca não petisca, mas quem arrisca demasiado pode perder o prato". Portugal parece estar a aprender esta lição à sua própria maneira, num equilíbrio precário entre necessidade e prudência.

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