Seguros

Energia

Telecomunicações

Energia Solar

Aparelhos Auditivos

Créditos

Educação

Seguro de Animais de Estimação

Blogue

A educação portuguesa em crise: o que os números não contam sobre as nossas escolas

Há uma sala de aula em Portugal onde o giz já não risca o quadro há três meses. Os alunos sentam-se em cadeiras com parafusos soltos, enquanto o professor tenta explicar equações com um manual que data de antes do euro. Esta não é uma cena de um filme distópico – é a realidade quotidiana em dezenas de estabelecimentos de ensino, escondida atrás de estatísticas oficiais que pintam um retrato mais cor-de-rosa do que a tinta descascada das paredes.

As visitas a escolas do interior revelam histórias que os relatórios do Ministério da Educação convenientemente omitem. Na Escola Básica de Vale do Sousa, os alunos partilham manuais porque as famílias não conseguem suportar os custos. A diretora, que pede anonimato, confessa: "Temos professores a pagar material do próprio bolso. No ano passado, gastei 300 euros em folhas e canetas." Enquanto isso, os orçamentos para tecnologia educacional acumulam-se em gabinetes lisboetas, longe das salas onde os computadores são peças de museu.

A formação docente tornou-se um labirinto burocrático onde se perde a paixão pelo ensino. Maria, professora há 15 anos, desabafa: "Passamos mais tempo a preencher formulários do que a preparar aulas criativas. A obsessão pelas metas quantificáveis está a matar a arte de ensinar." Os cursos de formação contínua, em vez de renovarem práticas pedagógicas, transformaram-se em checklists para progressão na carreira, esvaziados do seu propósito original.

Nas escolas privadas de elite, outro drama silencioso desenrola-se. A pressão por resultados perfeitos criou gerações de adolescentes medicados para a ansiedade. "Temos alunos de 14 anos a tomar ansiolíticos para os exames", revela uma psicóloga escolar que trabalha num colégio de referência no Porto. "Os pais pagam fortunas em mensalidades e exigem notas que são, muitas vezes, humanamente impossíveis."

A obsessão pelos rankings escolares distorceu o propósito da educação. Diretores manipulam estatísticas, transferem alunos problemáticos antes das avaliações, e focam-se apenas nas disciplinas que "contam" para a classificação. O resultado? Uma geração que sabe resolver equações complexas, mas não consegue distinguir notícias falsas de informação credível nas redes sociais.

A tecnologia prometia revolucionar as salas de aula, mas criou novos abismos. Enquanto algumas escolas têm tablets para cada aluno, outras nem internet estável possuem. Esta desigualdade digital prepara cidadãos de primeira e segunda categoria desde os primeiros anos de escolaridade. Os planos nacionais de digitalização parecem escritos por quem nunca tentou fazer uma videoconferência com uma ligação de 3G numa aldeia do Alentejo.

Os currículos continuam a ignorar competências essenciais para o século XXI. Nenhuma escola portuguesa ensina gestão emocional de forma sistemática. A educação financeira resume-se a exercícios teóricos desconectados da realidade dos jovens. E a criatividade – essa capacidade tão portuguesa – é sistematicamente aniquilada por testes padronizados que premiam respostas únicas.

Há luzes no fim deste túnel, mas são fracas e isoladas. Projetos como as comunidades de aprendizagem no Algarve ou as hortas pedagógicas nos Açores mostram que, quando se dá autonomia aos professores, a magia do ensino reaparece. Estas experiências, porém, sobrevivem mais por teimosia dos seus mentores do que por apoio institucional.

A solução não passa por mais uma reforma educativa anunciada com pompa e circunstância. Requer escutar os que estão na linha da frente – os professores que conhecem cada aluno pelo nome, os auxiliares que veem as fomes escondidas nas mochilas, os pais que escolhem entre comprar livros ou pagar a renda. A educação portuguesa precisa menos de especialistas em gabinetes e mais de humanidade nas salas de aula.

O futuro do país decide-se todos os dias entre quatro paredes onde o conhecimento deveria florescer. Enquanto continuarmos a medir o sucesso educativo pelo número de diplomas e não pela qualidade dos cidadãos que formamos, estaremos a construir um Portugal de fachada – bonito nos relatórios, mas frágil nas suas fundações. A verdadeira revolução educativa começa quando pararmos de contar números e começarmos a contar histórias, uma criança de cada vez.

Tags