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A revolução silenciosa das comunidades energéticas: quando os vizinhos se tornam produtores

Num bairro residencial nos arredores de Lisboa, algo extraordinário está a acontecer. Não se trata de um protesto ou de uma festa de condomínio, mas de uma revolução energética que está a redefinir o conceito de comunidade. Aqui, os telhados das vivendas transformaram-se em pequenas centrais elétricas, e os vizinhos deixaram de ser apenas consumidores para se tornarem produtores e gestores da sua própria energia.

Esta mudança tem um nome: comunidades de energia renovável. Um modelo que chegou a Portugal de forma discreta, mas que promete abalar as fundações do tradicional sistema energético. Enquanto as grandes empresas continuam a dominar as manchetes com megaprojetos, são os cidadãos comuns que estão a construir, tijolo a tijolo, uma alternativa mais democrática e sustentável.

O fenómeno ganhou impulso com a transposição da diretiva europeia, mas a verdadeira força motriz tem sido o descontentamento crescente com as contas de luz e a vontade de tomar as rédeas do próprio destino energético. Em vez de esperar por soluções vindas de cima, os portugueses estão a criar as suas próprias respostas, aproveitando o sol que tanto nos caracteriza.

O processo parece simples no papel: um grupo de vizinhos ou empresas une-se, instala painéis solares partilhados, e a energia produzida é distribuída entre os membros. Mas por trás desta simplicidade esconde-se uma complexa rede de desafios técnicos, burocráticos e humanos. Desde a escolha do local ideal para os painéis até à definição de como repartir a energia produzida, cada comunidade é um laboratório de inovação social.

O que mais surpreende nesta história não é a tecnologia em si – os painéis solares já existem há décadas – mas a forma como estão a ser utilizados. Estamos perante uma reapropriação coletiva de um recurso que sempre foi considerado domínio exclusivo das grandes corporações. O sol, afinal, pertence a todos, e os portugueses estão finalmente a lembrar-se disso.

Os números ainda são modestos, mas o crescimento é exponencial. Enquanto em 2020 existiam apenas meia dúzia de projetos-piloto, hoje já há dezenas de comunidades em funcionamento ou em fase avançada de planeamento. De norte a sul do país, incluindo as ilhas, o movimento está a ganhar raízes, adaptando-se às particularidades de cada região.

Os benefícios vão muito além da poupança na fatura energética. As comunidades estão a fortalecer os laços entre vizinhos, a criar empregos locais e a promover uma cultura de sustentabilidade que se estende a outras áreas da vida quotidiana. Em algumas localidades, os excedentes de energia são utilizados para carregar veículos elétricos partilhados ou para alimentar equipamentos comunitários.

Mas nem tudo são rosas neste novo paradigma. As comunidades de energia enfrentam obstáculos significativos, desde a complexidade regulatória até à resistência de alguns players do setor tradicional. A burocracia portuguesa, famosa pela sua teimosia, não facilita a vida aos pioneiros, exigindo paciência e perseverança hercúleas.

Há também questões técnicas por resolver, como a gestão eficiente da energia entre os diferentes membros ou a integração com a rede nacional. A tecnologia de blockchain está a emergir como uma possível solução para alguns destes desafios, permitindo um registo transparente e seguro de todas as transações energéticas.

O que está em jogo vai muito além de kilowatts-hora. Trata-se de uma redefinição do próprio conceito de cidadania energética. Num país com tradição centralizadora, estas comunidades representam um exercício de descentralização e empoderamento que poderia servir de modelo para outras áreas da sociedade.

O futuro dirá se este movimento conseguirá manter o seu carácter comunitário à medida que cresce, ou se será absorvido pelos grandes grupos económicos. Por enquanto, o que se vê é uma onda de baixo para cima, liderada por pessoas comuns que decidiram que o poder – no sentido literal da palavra – deve estar nas mãos de quem o usa.

Enquanto os decisores políticos discutem estratégias nacionais em gabinetes com ar condicionado, nas varandas e quintais de Portugal está a nascer uma alternativa concreta e tangível. Pode não fazer tanto barulho como uma central termoelétrica, mas a sua revolução silenciosa promete mudar mais do que apenas a forma como acendemos as luzes.

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