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O futuro da energia em Portugal: entre renováveis e dependência do gás

Portugal vive um momento decisivo no seu percurso energético. Enquanto os números oficiais celebram a crescente quota das renováveis no mix energético nacional, uma análise mais profunda revela contradições que merecem ser escrutinadas. A verdade é que, apesar dos discursos triunfalistas, continuamos profundamente dependentes do gás natural, uma realidade que condiciona a nossa soberania energética e a carteira dos consumidores.

Nos últimos meses, as centrais solares multiplicaram-se pelo Alentejo e os parques eólicos ganharam nova vida com tecnologia mais eficiente. Os dados da REN mostram que as renováveis representaram 61% da electricidade consumida no primeiro semestre de 2024, um recorde histórico que coloca Portugal na vanguarda europeia. No entanto, este sucesso esconde uma vulnerabilidade estrutural: quando o sol se põe e o vento acalma, as turbinas a gás entram em acção para evitar apagões.

A dependência do gás natural tornou-se o calcanhar de Aquiles da transição energética portuguesa. As centrais de ciclo combinado de Sines e do Pego continuam a ser peças fundamentais no sistema, consumindo gás maioritariamente importado da Argélia e da Nigéria. Esta realidade coloca-nos à mercê da volatilidade dos preços internacionais e da instabilidade geopolítica, como ficou dolorosamente evidente durante a crise energética desencadeada pela guerra na Ucrânia.

Os consumidores portugueses sentem na factura da luz esta dualidade. Nos dias de sol intenso e vento forte, os preços no mercado spot caem para níveis próximos de zero, beneficiando quem tem contratos indexados. Mas quando as condições meteorológicas são menos favoráveis, os preços disparam, reflectindo o custo marginal do gás. Esta montanha-russa de preços cria incerteza e penaliza sobretudo as famílias mais vulneráveis e as pequenas empresas.

O hidrogénio verde surge no discurso político como a solução milagrosa para esta dependência. O projecto H2 Sines ambiciona transformar a antiga central a carvão num hub de produção de hidrogénio a partir de energia solar, posicionando Portugal como exportador para o norte da Europa. Mas os especialistas alertam para os desafios tecnológicos e económicos: a produção de hidrogénio verde ainda é significativamente mais cara que as alternativas fósseis, e a construção da necessária infra-estrutura de transporte levará anos.

Enquanto isso, a aposta na eficiência energética parece ficar em segundo plano. Os programas de apoio à renovação de edifícios e à adopção de equipamentos mais eficientes têm tido uma adesão abaixo das expectativas, complicada pela burocracia e pelos custos iniciais. Paradoxalmente, continuamos a importar milhões de euros em equipamentos de climatização energeticamente inefficientes, perdendo uma oportunidade de reduzir structuralmente a nossa procura de energia.

A mobilidade eléctrica representa outra frente crítica nesta batalha energética. A expansão da rede de carregamento avança a bom ritmo nas grandes cidades, mas deixa para trás o interior do país. Além disso, a carga massiva de veículos eléctricos durante a noite, quando a produção solar é zero, poderá agravar a dependência do gás se não for acompanhada por soluções inteligentes de gestão de carga e armazenamento.

O armazenamento de energia emerge como peça chave para desbloquear todo o potencial das renováveis. As baterias em grande escala e as centrais hidroeléctricas reversíveis podem guardar o excesso de produção solar e eólica para usar nas horas de pico. Portugal tem projectos ambiciosos nesta área, mas a sua implementação está atrasada face às necessidades do sistema.

A verdade inconveniente é que a transição energética portuguesa está a meio do vau. Temos razões para celebrar os progressos nas renováveis, mas não podemos ignorar a persistente dependência do gás e os desafios que se avizinham. A consolidação de um sistema energético verdadeiramente sustentável, seguro e acessível exigirá mais do que discursos optimistas: requererá investimentos inteligentes, políticas corajosas e, sobretudo, transparência sobre os trade-offs e custos envolvidos.

O caminho para a neutralidade carbónica em 2050 está traçado, mas o percurso concreto permanece cheio de interrogações. Como conciliaremos a ambição ambiental com a segurança de abastecimento e a equidade social? Que papel reservaremos ao gás natural nesta transição, e por quanto tempo? Estas são perguntas que exigem debate público informado e decisões políticas claras, porque no jogo da energia, as meias-medidas saem sempre caras.

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