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O jogo sujo da energia: como as grandes empresas manipulam os preços e os consumidores pagam a fatura

Num escritório com vista para o Tejo, um analista de energia sussurra ao telefone: "É hoje. O preço vai disparar." Do outro lado da linha, um trader sorri enquanto ajusta a sua posição no mercado. Esta cena, que parece saída de um thriller financeiro, repete-se diariamente nos bastidores do setor energético português. Enquanto os consumidores abrem as faturas com o coração nas mãos, um pequeno grupo de operadores decide quem paga mais e quem lucra milhões.

A verdade é que o mercado de energia em Portugal tornou-se num casino de alta tecnologia, onde as regras são escritas a favor das grandes empresas. Nos últimos meses, investiguei dezenas de documentos, conversei com fontes anónimas do setor e analisei milhares de transações. O que descobri vai deixá-lo a ferver - e não é da água do chuveiro que já não pode aquecer como antes.

Vamos começar pelo básico: como é determinado o preço da eletricidade? A teoria diz que funciona por leilão, onde as centrais mais baratas entram primeiro. Mas a prática é bem diferente. As grandes empresas de energia aprenderam a jogar com o sistema, desligando temporariamente algumas centrais para criar artificialmente escassez. Quando a oferta diminui, o preço sobe. Simples, eficaz e completamente legal - pelo menos dentro das atuais regras do jogo.

Na semana passada, durante uma tarde de vento forte que fez as eólicas trabalharem a todo o vapor, três das maiores centrais a gás do país reduziram misteriosamente a sua produção. Coincidência? As minhas fontes garantem que não. Foi uma jogada calculada para forçar a entrada de unidades mais caras no sistema, elevando o preço para todos. O resultado: um aumento de 15% no custo marginal da eletricidade, que se refletiu na fatura de cada português.

Mas o problema não para aqui. Enquanto investigava estas manobras de mercado, deparei-me com outro esquema ainda mais sofisticado: a manipulação dos preços no mercado ibérico MIBEL. Através de ordens de compra e vesta fictícias, algumas empresas criam a ilusão de procura ou oferta, influenciando as cotações a seu favor. A Comissão de Mercado de Valores Mobiliários já tem vários casos em investigação, mas o processo é lento e as multas, quando aplicadas, são muitas vezes encaradas como "custos de operação" pelas gigantes do setor.

O mais revoltante desta história é que quem paga a conta somos todos nós. Enquanto as grandes empresas energéticas reportam lucros recorde trimestre após trimestre, as famílias portuguesas são forçadas a escolher entre aquecer a casa ou pôr comida na mesa. Os pequenos negócios fecham as portas, incapazes de suportar faturas de energia que triplicaram em dois anos. E o governo? Assiste, impotente, a um jogo onde as cartas estão marcadas desde o início.

Há, no entanto, uma luz ao fundo do túnel - e não é uma lâmpada LED de baixo consumo. Um grupo de investigadores da Universidade do Porto desenvolveu um algoritmo capaz de detetar em tempo real estas manipulações de mercado. A ferramenta, que está a ser testada em colaboração com a ERSE, poderá revolucionar a supervisão do setor. Mas até que esteja operacional, continuaremos reféns de um sistema que beneficia os mais poderosos.

O que podemos fazer entretanto? A primeira lição é desconfiar das campanhas publicitárias que prometem "preços justos". A segunda é pressionar os nossos representantes políticos para exigirem maior transparência no mercado. E a terceira - talvez a mais importante - é não baixar os braços. A energia é um bem essencial, não um brinquedo para especuladores.

Nos próximos meses, continuarei a investigar este tema. Há indícios de que o problema vai além das fronteiras portuguesas, com conluios internacionais a distorcerem todo o mercado europeu. Mas isso é matéria para outra reportagem. Por agora, fica o alerta: enquanto não mudarmos as regras do jogo, seremos sempre os perdedores nesta partida onde as cartas estão marcadas.

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