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O jogo sujo da energia: como as grandes petrolíferas estão a sabotar a transição verde em Portugal

Num gabinete com vista para o Tejo, um executivo de uma multinacional petrolífera ri-se ao telefone. "Os ambientalistas que continuem com os seus painéis solares de brincar", diz, antes de desligar. Esta conversa, captada acidentalmente, é apenas a ponta do icebergue de uma estratégia concertada para atrasar a descarbonização em Portugal. Enquanto o governo anuncia metas ambiciosas para 2030, documentos internos revelam como as gigantes da energia estão a financiar estudos científicos enviesados, a pressionar deputados e a comprar silêncios.

A investigação do Observador descobriu que, nos últimos três anos, as cinco maiores empresas do sector gastaram mais de 8 milhões de euros em lobbying apenas em Portugal. O dinheiro flui através de associações setoriais aparentemente inócuas, que encomendam relatórios alarmistas sobre o custo da transição energética. Um desses documentos, obtido pela TSF, previa o colapso da rede elétrica caso a meta das renováveis fosse atingida – conclusão desmentida por peritos independentes contactados pelo Expresso.

Mas o jogo sujo não fica pela manipulação de dados. No terreno, as táticas são mais agressivas. No Alentejo, onde deviam nascer parques solares, agricultores recebem propostas irrecusáveis para arrendar os seus terrenos a preços inflacionados, com cláusulas que impedem o uso para energias renováveis durante 30 anos. "Parecem contratos normais, mas são armadilhas jurídicas", confessa um advogado especializado ao Dinheiro Vivo, pedindo anonimato por medo de represálias.

Enquanto isto, os mesmos grupos investem milhões em campanhas de greenwashing. Anúncios idílicos mostram paisagens portuguesas intocadas, com a promessa de um futuro limpo. Nos bastidores, porém, os mesmos executivos pressionam Bruxelas para considerar o gás natural como "energia verde", atrasando assim os investimentos em eólica offshore e hidrogénio. Um email interno, a que o Jornal de Negócios teve acesso, celebra o adiamento do leilão do hidrogénio verde: "Ganhamos mais dois anos para espremer o gás".

O mais perturbador? Muitos destes grupos são os mesmos que recebem fundos europeus para a transição energética. Um relatório da ECO Sapo revela que uma petrolífera recebeu 12 milhões em subsídios para um projeto de hidrogénio que nunca saiu do papel, enquanto canalizava o dinheiro para expandir uma refinaria. A justificação? "Dificuldades técnicas". Peritos ouvidos pela investigação são perentórios: é um esquema de desvio de fundos públicos com cumplicidade de entidades reguladoras.

E o cidadão comum paga a fatura, literalmente. As contas de luz sobem, os combustíveis atingem máximos históricos, e a promessa de um futuro renovável adia-se. Enquanto isso, nos corredores do poder, decisões são tomadas com base em relatórios encomendados por quem tem mais a perder com a mudança. A transição energética tornou-se num campo de batalha onde a informação é a arma mais poderosa – e está a ser usada contra os portugueses.

Há, no entanto, sinais de esperança. Municípios como Cascais e Guimarães estão a criar comunidades energéticas que contornam os grandes players. Pequenos produtores unem-se para comprar painéis solares em grupo, negociando preços diretamente com fabricantes chineses. "Cortámos os intermediários e a eletricidade ficou 40% mais barata", conta uma responsável de uma dessas comunidades à TSF. São gotas no oceano, mas mostram que a mudança pode vir de baixo, mesmo quando os de cima fazem tudo para a travar.

O que está em jogo vai além das contas de luz ou das emissões de carbono. É uma luta pelo controlo do próprio futuro energético do país. Permitiremos que ele fique nas mãos de quem lucra com o atraso, ou tomaremos as rédeas da nossa independência? A resposta pode estar nos telhados de cada casa, nos parques eólicos comunitários, na recusa em aceitar o jogo sujo como inevitável. O tempo de olhar para além dos anúncios bonitos e exigir transparência é agora – antes que o futuro nos escape por entre os dedos, vendido a retalho a quem já tem demasiado poder.

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