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O labirinto energético português: entre promessas políticas e a realidade das contas

Há uma desconexão gritante entre o discurso oficial sobre a transição energética e o que os portugueses sentem na pele todos os meses. Enquanto os políticos falam em autonomia energética e preços competitivos, as famílias continuam a receber faturas que as obrigam a repensar orçamentos e a adiar sonhos. Esta dissonância não é acidental – é o resultado de anos de políticas mal concebidas e de uma teia de interesses que poucos se atrevem a desvendar.

A verdadeira revolução energética em Portugal não está a acontecer nos painéis solares ou nos parques eólicos, mas sim nos gabinetes onde se negoceiam contratos que beneficiam alguns à custa de muitos. Os mesmos grupos que durante décadas controlaram o setor fóssil são agora os principais investidores nas renováveis, garantindo que a mudança não ameace os seus lucros. É um jogo de cadeiras musicais onde a música nunca para de tocar para os mesmos jogadores.

Os consumidores são tratados como meros espectadores num espetáculo onde pagam o ingresso mas não têm direito a escolher o programa. As tarifas bi-horárias, apresentadas como solução milagrosa, transformaram-se numa armadilha para quem não consegue adaptar toda a sua vida aos horários da EDP. Lavar roupa à meia-noite ou cozinhar ao final do dia tornou-se o novo normal para milhares de portugueses que tentam escapar aos picos tarifários.

Enquanto isso, os grandes consumidores industriais negoceiam diretamente com os produtores, beneficiando de preços que as famílias só podem imaginar. Esta dualidade de tratamento cria uma sociedade energética de duas velocidades, onde os mais vulneráveis carregam o peso das más decisões. A pobreza energética não é um conceito abstrato – é a realidade de quem tem de escolher entre aquecer a casa ou comprar medicamentos.

A aposta nas renováveis, embora necessária, está a ser feita de forma desordenada e sem uma visão estratégica clara. Projetos fotovoltaicos surgem como cogumelos após a chuva, muitas vezes em locais inadequados e sem a devida ponderação ambiental. A corrida ao hidrogénio verde, apresentada como a próxima fronteira energética, esconde investimentos astronómicos com retornos incertos e prazos que se estendem para lá do horizonte político.

Os leilões de capacidade energética tornaram-se num teatro onde os mesmos atores representam papéis diferentes, mas o enredo nunca muda. As regras são desenhadas para excluir os pequenos players e garantir que o controlo do sistema permanece nas mãos de quem sempre o deteve. A concorrência é uma ilusão cuidadosamente mantida para cumprir exigências europeias, enquanto a realidade é muito diferente.

A interligação com o mercado europeu, vendida como a solução para a nossa dependência, mostrou-se uma faca de dois gumes. Nos momentos de crise, Portugal descobre que está na periferia do sistema e que os preços são ditados por mercados muito maiores e mais influentes. A tão falada solidariedade europeia revela os seus limites quando os interesses nacionais entram em conflito.

A digitalização do setor, com os contadores inteligentes e as apps de gestão de consumo, criou uma nova forma de vigilância sobre os hábitos domésticos. Os dados dos consumidores são o novo petróleo, e as empresas energísticas estão a extraí-lo sem que a maioria perceba o seu valor ou os riscos envolvidos. A privacidade energética tornou-se mais um bem negociado sem o consentimento informado dos cidadãos.

As comunidades energéticas, apesar do potencial transformador, enfrentam barreiras burocráticas que parecem desenhadas para as manter como projetos marginais. O cidadão que queira produzir e partilhar a sua própria energia depara-se com um labirinto regulatório que exige conhecimentos especializados e paciência infinita. A descentralização prometida esbarra numa centralização de poder de facto.

O futuro energético de Portugal não está escrito, mas os sinais são preocupantes. A dependência do gás natural, apresentada como ponte para as renováveis, está a tornar-se num destino permanente. Os investimentos em infraestruturas fósseis continuam, mesmo quando o mundo deveria estar a acelerar a transição. A janela de oportunidade para uma mudança verdadeiramente transformadora está a fechar-se rapidamente.

Os portugueses merecem mais do que discursos vazios e promessas eleitorais. Merecem um sistema energético transparente, justo e verdadeiramente sustentável. Mas para isso, é necessário coragem para enfrentar os interesses instalados e vontade política para colocar as pessoas no centro das decisões. O tempo das meias-medidas acabou – ou mudamos radicalmente o modelo, ou continuaremos reféns de um sistema que serve todos menos quem realmente importa.

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