O lado obscuro da transição energética: como os grandes projetos estão a falhar as comunidades locais
Num vale remoto do interior norte, onde o vento sopra com força suficiente para dobrar os pinheiros, Maria do Céu observa as gigantescas pás das turbinas eólicas que dominam a paisagem desde o ano passado. 'Prometeram-nos emprego, desenvolvimento, progresso', diz, enquanto aponta para a estrada de terra batida que leva à sua aldeia. 'Mas só trouxeram ruído e promessas vazias.' A sua história não é única. Em Portugal, a corrida para a transição energética está a criar vencedores e perdedores, e muitas vezes são as comunidades mais vulneráveis que pagam o preço mais alto.
Enquanto o governo celebra a meta de 80% de eletricidade renovável até 2026, uma investigação cruzada entre dados oficiais, relatórios ambientais e dezenas de entrevistas revela um padrão preocupante: os grandes projetos de energia verde estão frequentemente a ser implantados sem o consentimento genuíno das populações locais, com impactos sociais e ambientais subestimados. No Alentejo, os parques solares ocupam terrenos agrícolas férteis, reduzindo a capacidade de produção alimentar regional. No litoral, os projetos de hidrogénio verde ameaçam ecossistemas costeiros sensíveis.
O financiamento é outro ponto crítico. Milhões de euros em fundos europeus e investimento privado fluem para estas iniciativas, mas a distribuição dos benefícios é desequilibrada. As grandes empresas de energia e os fundos de investimento internacional capturam a maior parte dos lucros, enquanto as autarquias recebem compensações simbólicas e os cidadãos enfrentam tarifas de eletricidade em alta. 'É um capitalismo verde disfarçado de altruísmo ambiental', acusa um economista especializado em energia, que pediu anonimato por receio de represálias profissionais.
A burocracia complica ainda mais o cenário. Os processos de avaliação de impacto ambiental são frequentemente acelerados, com consultas públicas reduzidas a meras formalidades. Um técnico municipal no distrito de Bragança confidencia: 'Recebemos o projeto de um parque eólico numa sexta-feira e tínhamos de dar parecer na segunda. Como é possível analisar centenas de páginas em tão pouco tempo?' Esta pressão leva a que questões importantes, como o efeito na fauna selvagem ou o impacto visual, sejam negligenciadas.
Mas há luz ao fundo do túnel. Em algumas regiões, as comunidades estão a organizar-se e a propor alternativas. Cooperativas de energia renovável, onde os cidadãos são produtores e consumidores, estão a ganhar terreno. Em Idanha-a-Nova, um projeto comunitário de solar fotovoltaico não só abastece dezenas de famílias, como reinveste os lucros em melhorias locais. 'Aqui, a transição energética é feita por e para as pessoas', explica o presidente da cooperativa.
O desafio, segundo especialistas, é encontrar um equilíbrio entre a urgência climática e a justiça social. Isso requer uma governança mais transparente, mecanismos de participação robustos e uma distribuição mais equitativa dos benefícios. 'Não podemos cometer os mesmos erros do passado, quando o desenvolvimento chegava de cima para baixo, sem ouvir quem vive no território', defende uma investigadora em políticas ambientais.
O futuro da energia em Portugal dependerá desta capacidade de conciliar ambição tecnológica com sensibilidade humana. Enquanto isso, nas aldeias e vilas do país, pessoas como Maria do Céu continuam à espera de que a promessa de um mundo mais verde inclua também um mundo mais justo.
Enquanto o governo celebra a meta de 80% de eletricidade renovável até 2026, uma investigação cruzada entre dados oficiais, relatórios ambientais e dezenas de entrevistas revela um padrão preocupante: os grandes projetos de energia verde estão frequentemente a ser implantados sem o consentimento genuíno das populações locais, com impactos sociais e ambientais subestimados. No Alentejo, os parques solares ocupam terrenos agrícolas férteis, reduzindo a capacidade de produção alimentar regional. No litoral, os projetos de hidrogénio verde ameaçam ecossistemas costeiros sensíveis.
O financiamento é outro ponto crítico. Milhões de euros em fundos europeus e investimento privado fluem para estas iniciativas, mas a distribuição dos benefícios é desequilibrada. As grandes empresas de energia e os fundos de investimento internacional capturam a maior parte dos lucros, enquanto as autarquias recebem compensações simbólicas e os cidadãos enfrentam tarifas de eletricidade em alta. 'É um capitalismo verde disfarçado de altruísmo ambiental', acusa um economista especializado em energia, que pediu anonimato por receio de represálias profissionais.
A burocracia complica ainda mais o cenário. Os processos de avaliação de impacto ambiental são frequentemente acelerados, com consultas públicas reduzidas a meras formalidades. Um técnico municipal no distrito de Bragança confidencia: 'Recebemos o projeto de um parque eólico numa sexta-feira e tínhamos de dar parecer na segunda. Como é possível analisar centenas de páginas em tão pouco tempo?' Esta pressão leva a que questões importantes, como o efeito na fauna selvagem ou o impacto visual, sejam negligenciadas.
Mas há luz ao fundo do túnel. Em algumas regiões, as comunidades estão a organizar-se e a propor alternativas. Cooperativas de energia renovável, onde os cidadãos são produtores e consumidores, estão a ganhar terreno. Em Idanha-a-Nova, um projeto comunitário de solar fotovoltaico não só abastece dezenas de famílias, como reinveste os lucros em melhorias locais. 'Aqui, a transição energética é feita por e para as pessoas', explica o presidente da cooperativa.
O desafio, segundo especialistas, é encontrar um equilíbrio entre a urgência climática e a justiça social. Isso requer uma governança mais transparente, mecanismos de participação robustos e uma distribuição mais equitativa dos benefícios. 'Não podemos cometer os mesmos erros do passado, quando o desenvolvimento chegava de cima para baixo, sem ouvir quem vive no território', defende uma investigadora em políticas ambientais.
O futuro da energia em Portugal dependerá desta capacidade de conciliar ambição tecnológica com sensibilidade humana. Enquanto isso, nas aldeias e vilas do país, pessoas como Maria do Céu continuam à espera de que a promessa de um mundo mais verde inclua também um mundo mais justo.