O lado obscuro da transição energética: quem paga a conta da descarbonização?
Enquanto os políticos celebram acordos climáticos em cimeiras internacionais, nas cozinhas portuguesas multiplicam-se as contas da luz que deixam famílias a contarem os cêntimos. A transição energética, essa nobre causa ambiental, está a criar vencedores e perdedores - e os últimos são sempre os mesmos.
Os dados não mentem: desde 2021, o preço da eletricidade para consumidores domésticos subiu 47% em Portugal, segundo a ERSE. Enquanto isso, as grandes empresas do setor energético registaram lucros recorde. A Iberdrola, por exemplo, lucrou 4,3 mil milhões de euros apenas no primeiro semestre de 2023. Há algo de profundamente errado nesta equação.
A corrida às renováveis transformou-se num negócio de elite. Os leilões solares e eólicos são dominados por consórcios internacionais com capacidade financeira para fazer apostas milionárias. As comunidades locais, que deveriam beneficiar desta revolução, ficam à margem - quando não são diretamente prejudicadas pela especulação imobiliária que acompanha estes megaprojetos.
O hidrogénio verde, a nova vedeta da energia limpa, promete transformar Portugal num exportador de energia. Mas quem garante que os portugueses não ficarão, mais uma vez, a pagar a infraestrutura enquanto os lucros viajam para fora? O investimento previsto de 7 mil milhões de euros até 2030 é astronómico - e alguém terá de o financiar.
A obsessão com a eletrificação ignora uma realidade incómoda: muitas famílias não têm capacidade financeira para trocar o carro a gasóleo por um elétrico, nem para instalar painéis solares na varanda do apartamento. Criamos assim uma nova forma de exclusão energética, onde ter acesso a energia limpa se torna um privilégio de classe.
Os fundos europeus Next Generation, que deviam ser a salvação, transformaram-se num labirinto burocrático onde só navegam bem quem tem advogados e consultores especializados. As PME portuguesas, que representam 99% do tecido empresarial, enfrentam obstáculos quase intransponíveis para aceder a estes fundos.
Enquanto isso, o gás natural - esse combustível fóssil disfarçado de ponte energética - continua a drenar milhares de milhões de euros anuais da economia portuguesa. A dependência externa mantém-se alarmante: importamos 75% da energia que consumimos, uma vulnerabilidade estratégica que nos deixa à mercê de crises geopolíticas.
A eficiência energética, essa parente pobre das políticas públicas, recebe migalhas comparativamente aos megaprojetos mediáticos. No entanto, cada euro investido em isolamento térmico ou electrodomésticos eficientes tem um retorno muito superior ao investido em novas centrais.
O mercado de carbono, essa invenção brilhante para tornar a poluição um negócio, beneficia principalmente quem polui há décadas. As indústrias recebem licenças gratuitas enquanto os cidadãos pagam impostos sobre as emissões através dos combustíveis e da eletricidade.
A nuclear, esse tabu português, continua excluída do debate apesar dos avanços tecnológicos e da necessidade de energia de base estável. Enquanto a França produz eletricidade com emissões 10 vezes inferiores às nossas, nós continuamos presos a dogmas ideológicos.
As smart grids e a digitalização da rede prometem maravilhas, mas escondem riscos de cibersegurança e novas formas de controlo. Os dados de consumo energético são o novo petróleo - e as grandes tecnológicas já estão de olho neles.
O armazenamento de energia, esse calcanhar de Aquiles das renováveis, continua dependente de baterias com materiais raros extraídos em condições questionáveis. A nossa transição verde pode estar a alimentar conflitos e degradação ambiental noutras partes do mundo.
A agricultura, setor vital para a soberania alimentar, vê-se espremida entre os custos energéticos crescentes e a pressão para adotar tecnologias caras. Muitos agricultores enfrentam o dilema de investir em bombas de calor ou garantir a sobrevivência da exploração.
O transporte marítimo, responsável por 3% das emissões globais, continua praticamente ignorado nas políticas nacionais. Os portos portugueses poderiam ser hubs de descarbonização, mas falta visão estratégica e investimento coordenado.
Os edifícios, esses devoradores silenciosos de energia, continuam a ser construídos com padrões térmicos insuficientes. A legislação existe no papel, mas a fiscalização é tão fraca que se tornou letra morta.
A formação profissional para as novas profissões verdes avança a passo de caracol. Precisamos urgentemente de electricistas especializados em painéis solares, técnicos de manutenção eólica e gestores energéticos - mas o sistema de ensino não acompanha a velocidade da transição.
A realidade é que estamos a construir dois Portugais energéticos: um para quem pode pagar a transição e outro para quem fica pelo caminho. Sem justiça social, a descarbonização será apenas mais uma forma de concentração de riqueza.
O tempo das meias-medidas acabou. Precisamos de coragem para questionar os modelos estabelecidos, para incluir os excluídos, para garantir que a revolução energética não repete os erros do passado. A energia limpa deve ser um direito, não um privilégio - e cabe-nos a todos exigir que assim seja.
Os dados não mentem: desde 2021, o preço da eletricidade para consumidores domésticos subiu 47% em Portugal, segundo a ERSE. Enquanto isso, as grandes empresas do setor energético registaram lucros recorde. A Iberdrola, por exemplo, lucrou 4,3 mil milhões de euros apenas no primeiro semestre de 2023. Há algo de profundamente errado nesta equação.
A corrida às renováveis transformou-se num negócio de elite. Os leilões solares e eólicos são dominados por consórcios internacionais com capacidade financeira para fazer apostas milionárias. As comunidades locais, que deveriam beneficiar desta revolução, ficam à margem - quando não são diretamente prejudicadas pela especulação imobiliária que acompanha estes megaprojetos.
O hidrogénio verde, a nova vedeta da energia limpa, promete transformar Portugal num exportador de energia. Mas quem garante que os portugueses não ficarão, mais uma vez, a pagar a infraestrutura enquanto os lucros viajam para fora? O investimento previsto de 7 mil milhões de euros até 2030 é astronómico - e alguém terá de o financiar.
A obsessão com a eletrificação ignora uma realidade incómoda: muitas famílias não têm capacidade financeira para trocar o carro a gasóleo por um elétrico, nem para instalar painéis solares na varanda do apartamento. Criamos assim uma nova forma de exclusão energética, onde ter acesso a energia limpa se torna um privilégio de classe.
Os fundos europeus Next Generation, que deviam ser a salvação, transformaram-se num labirinto burocrático onde só navegam bem quem tem advogados e consultores especializados. As PME portuguesas, que representam 99% do tecido empresarial, enfrentam obstáculos quase intransponíveis para aceder a estes fundos.
Enquanto isso, o gás natural - esse combustível fóssil disfarçado de ponte energética - continua a drenar milhares de milhões de euros anuais da economia portuguesa. A dependência externa mantém-se alarmante: importamos 75% da energia que consumimos, uma vulnerabilidade estratégica que nos deixa à mercê de crises geopolíticas.
A eficiência energética, essa parente pobre das políticas públicas, recebe migalhas comparativamente aos megaprojetos mediáticos. No entanto, cada euro investido em isolamento térmico ou electrodomésticos eficientes tem um retorno muito superior ao investido em novas centrais.
O mercado de carbono, essa invenção brilhante para tornar a poluição um negócio, beneficia principalmente quem polui há décadas. As indústrias recebem licenças gratuitas enquanto os cidadãos pagam impostos sobre as emissões através dos combustíveis e da eletricidade.
A nuclear, esse tabu português, continua excluída do debate apesar dos avanços tecnológicos e da necessidade de energia de base estável. Enquanto a França produz eletricidade com emissões 10 vezes inferiores às nossas, nós continuamos presos a dogmas ideológicos.
As smart grids e a digitalização da rede prometem maravilhas, mas escondem riscos de cibersegurança e novas formas de controlo. Os dados de consumo energético são o novo petróleo - e as grandes tecnológicas já estão de olho neles.
O armazenamento de energia, esse calcanhar de Aquiles das renováveis, continua dependente de baterias com materiais raros extraídos em condições questionáveis. A nossa transição verde pode estar a alimentar conflitos e degradação ambiental noutras partes do mundo.
A agricultura, setor vital para a soberania alimentar, vê-se espremida entre os custos energéticos crescentes e a pressão para adotar tecnologias caras. Muitos agricultores enfrentam o dilema de investir em bombas de calor ou garantir a sobrevivência da exploração.
O transporte marítimo, responsável por 3% das emissões globais, continua praticamente ignorado nas políticas nacionais. Os portos portugueses poderiam ser hubs de descarbonização, mas falta visão estratégica e investimento coordenado.
Os edifícios, esses devoradores silenciosos de energia, continuam a ser construídos com padrões térmicos insuficientes. A legislação existe no papel, mas a fiscalização é tão fraca que se tornou letra morta.
A formação profissional para as novas profissões verdes avança a passo de caracol. Precisamos urgentemente de electricistas especializados em painéis solares, técnicos de manutenção eólica e gestores energéticos - mas o sistema de ensino não acompanha a velocidade da transição.
A realidade é que estamos a construir dois Portugais energéticos: um para quem pode pagar a transição e outro para quem fica pelo caminho. Sem justiça social, a descarbonização será apenas mais uma forma de concentração de riqueza.
O tempo das meias-medidas acabou. Precisamos de coragem para questionar os modelos estabelecidos, para incluir os excluídos, para garantir que a revolução energética não repete os erros do passado. A energia limpa deve ser um direito, não um privilégio - e cabe-nos a todos exigir que assim seja.