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O lado oculto da transição energética: quem está a ficar para trás na corrida às renováveis

A luz ao fundo do túnel energético português parece mais brilhante do que nunca. Os números oficiais celebram a produção recorde de energia renovável, os parques eólicos multiplicam-se nas serras e os painéis solares cobrem cada vez mais telhados. Mas há uma história que não está a ser contada, uma realidade que escapa às estatísticas oficiais e aos comunicados triunfalistas do governo. Enquanto as grandes empresas energéticas acumulam lucros históricos, milhares de portugueses continuam presos na armadilha da pobreza energética.

Nas traseiras deste sucesso aparente, esconde-se uma verdade incómoda: a transição verde está a criar novos desequilíbrios sociais. As famílias de baixos rendimentos, que não podem investir em painéis solares ou em sistemas de aquecimento eficientes, veem as suas contas de energia subir enquanto os subsídios públicos beneficiam principalmente quem já tem capacidade financeira para fazer investimentos verdes. É o velho princípio de que quem tem, recebe mais.

A geografia da energia renovável em Portugal conta uma história de desigualdades regionais gritantes. Enquanto o Alentejo se transforma no principal produtor de energia solar do país, as comunidades locais questionam-se sobre os benefícios reais que esta ocupação massiva do território lhes traz. Os grandes projetos são desenvolvidos por empresas sedeadas em Lisboa e Porto, os lucros seguem para acionistas maioritariamente estrangeiros, e as populações locais ficam com o impacto visual e ambiental, mas com poucos empregos qualificados e receitas fiscais significativas.

O caso da barragem do Tâmega é paradigmático desta desconexão entre o discurso oficial e a realidade no terreno. Apresentada como um projeto estratégico para a transição energética, a obra gerou controvérsia desde o início. As compensações às populações afetadas foram consideradas insuficientes, os estudos de impacto ambiental foram criticados por organizações não governamentais, e os benefícios para a região continuam a ser uma promessa por cumprir.

A dependência tecnológica é outro aspeto preocupante desta transição. Portugal importa a maioria dos equipamentos para as centrais renováveis, desde painéis solares até às turbinas eólicas. Enquanto países como a China e a Alemanha dominam a cadeia de valor das tecnologias verdes, Portugal contenta-se com o papel de consumidor e instalador. Perde-se assim uma oportunidade histórica para desenvolver uma indústria nacional competitiva no sector das energias renováveis.

A burocracia continua a ser um obstáculo significativo para a democratização da produção de energia. Os pequenos produtores, sejam famílias ou pequenas empresas, enfrentam processos complexos e demorados para ligar os seus sistemas à rede. Enquanto isso, os grandes projetos beneficiam de procedimentos acelerados e de condições privilegiadas. Esta assimetria regulatória perpetua um modelo concentrado e pouco democrático de produção energética.

O armazenamento de energia emerge como o grande desafio não resolvido da transição portuguesa. A intermitência das renováveis – o sol não brilha sempre, o vento não sopra constantemente – exige soluções de armazenamento que ainda são caras e pouco desenvolvidas. As barragens com bombagem são uma solução, mas têm impactos ambientais significativos. As baterias em grande escala ainda são economicamente inviáveis para armazenamentos de longa duração.

O hidrogénio verde surge no discurso político como a solução milagrosa, mas a realidade é mais complexa. Os projetos anunciados dependem de subsídios avultados e de preços do gás natural elevados para serem competitivos. Enquanto se investem milhões em infraestruturas para o hidrogénio, setores como a eficiência energética nos edifícios ou a mobilidade elétrica urbana recebem atenção e financiamento insuficientes.

A questão dos resíduos das renováveis é a próxima bomba-relógio ambiental. O que vai acontecer aos milhões de painéis solares e pás eólicas quando chegarem ao fim da sua vida útil? Portugal ainda não tem uma estratégia clara para a gestão destes resíduos, que contêm materiais valiosos mas também componentes tóxicos. O risco de criar novos passivos ambientais é real e iminente.

A verdadeira transição energética não se mede apenas pela percentagem de renováveis na produção de eletricidade. Mede-se pela capacidade de garantir que todos os cidadãos têm acesso a energia limpa e a preços acessíveis. Mede-se pela criação de emprego qualificado e pela valorização dos territórios que acolhem os projetos. Mede-se pela redução da dependência externa e pelo desenvolvimento tecnológico nacional.

Enquanto Portugal celebra os seus sucessos nas renováveis, é urgente olhar para o que fica por fazer. A transição energética não pode ser apenas verde – tem de ser justa, democrática e economicamente sustentável. Caso contrário, corremos o risco de trocar a dependência dos combustíveis fósseis por novas dependências e desigualdades, perpetuando um modelo que beneficia alguns à custa de muitos.

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