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O paradoxo energético português: quando a abundância não chega aos bolsos dos consumidores

A luz ao fundo do túnel energético português parece mais um fogo-fátuo do que uma verdadeira saída. Enquanto os números oficiais celebram a produção recorde de energias renováveis, as famílias continuam a apertar o cinto cada vez que recebem a fatura da eletricidade. Esta desconexão entre os sucessos macroeconómicos e a realidade doméstica constitui um dos maiores paradoxos da política energética nacional.

Nos últimos meses, Portugal bateu recordes consecutivos na produção de energia eólica e solar. Os dados da REN mostram que, em alguns dias, as renováveis chegaram a suprir mais de 90% do consumo nacional. Estes números, amplamente divulgados pelos media, criam a ilusão de que o país está no caminho certo para a independência energética. Mas esta narrativa esconde uma verdade mais complexa e menos confortável.

O problema reside no modelo de formação de preços no mercado grossista de eletricidade. Mesmo quando o vento sopra forte e o sol brilha intensamente, o preço final da energia continua amarrado ao custo marginal do último megawatt necessário para satisfazer a procura. Na prática, isto significa que o gás natural - frequentemente a fonte mais cara - continua a ditar o preço que todos pagamos.

Enquanto isso, os consumidores domésticos assistem perplexos ao desfile de números positivos nos telejornais enquanto as suas faturas não param de aumentar. A sensação de injustiça é palpável nas conversas de café e nas redes sociais. Como pode um país com tanta energia limpa ter uma das eletricidades mais caras da Europa?

A resposta pode estar na forma como o sistema foi concebido. Os mecanismos de apoio às renováveis, necessários numa fase inicial para incentivar o investimento, criaram distorções que persistem anos depois. As tarifas feed-in, os leilões de capacidade e os certificados verdes geraram um ecossistema onde os produtores estão protegidos das flutuações de mercado, mas os consumidores ficam expostos a toda a volatilidade.

O transporte e distribuição representam outra fatia significativa do preço final. A rede elétrica nacional, apesar dos investimentos recentes, ainda apresenta gargalos que impedem o aproveitamento total do potencial renovável. Há dias em que as centrais eólicas no norte são obrigadas a reduzir produção porque as linhas não conseguem escoar toda a energia para o sul, onde a procura é maior.

Esta situação levanta questões fundamentais sobre a equidade da transição energética. Estaremos a construir um sistema que beneficia principalmente os grandes investidores enquanto sobrecarrega as famílias de menores rendimentos? Os dados sugerem que sim: os agregados familiares portugueses gastam hoje uma percentagem do seu rendimento em energia superior à média europeia.

As soluções passam necessariamente por uma reformulação do mercado elétrico. Especialistas defendem a criação de mecanismos que permitam aos consumidores beneficiar diretamente dos períodos de produção renovável abundante. Os preços horários dinâmicos, já testados noutros países, poderiam incentivar o consumo nos momentos de maior produção eólica e solar.

O hidrogénio verde surge como outra peça deste puzzle complexo. Portugal posiciona-se como potencial exportador desta energia do futuro, mas persistem dúvidas sobre como este novo vector energístico se refletirá nas contas dos portugueses. Será que vamos exportar energia barata para depois importá-la cara?

A digitalização das redes e a generalização dos contadores inteligentes abrem novas possibilidades. Os consumidores poderão tornar-se produtores através do autoconsumo e vender os excedentes à rede. Mas esta revolução exige investimentos avultados e uma regulação ágil que acompanhe a velocidade da inovação tecnológica.

O armazenamento de energia representa o Santo Graal desta transição. As baterias em grande escala e o bombeamento hidroelétrico poderiam resolver o problema da intermitência das renováveis. Portugal tem condições excecionais para ambas as tecnologias, mas os projetos avançam a passo de caracol devido aos longos processos de licenciamento e à complexidade dos modelos de negócio.

Enquanto estas soluções não materializam, os portugueses continuam reféns de um sistema que, apesar dos progressos técnicos, falha no essencial: fornecer energia limpa a preços acessíveis. A transição energética não se mede apenas pela percentagem de renováveis na produção, mas também pela capacidade de garantir que nenhuma família tem de escolher entre comer ou aquecer a casa.

O caminho para uma energia verdadeiramente sustentável - económica, social e ambientalmente - exige mais do que painéis solares e aerogeradores. Exige coragem para questionar os modelos estabelecidos e criatividade para desenhar soluções que sirvam primeiro as pessoas e depois os números estatísticos. Só assim a luz ao fundo do túnel deixará de ser uma miragem para se tornar realidade palpável no dia a dia dos portugueses.

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