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O preço da energia em Portugal: entre a factura e a facturação política

A factura da luz chegou. Abrimos o envelope com aquela sensação mista de curiosidade e terror que só quem já viu a conta triplicar conhece. Os números saltam do papel como acusações: mais 30 euros do que no mês passado, mais 60 do que há seis meses. Enquanto os dedos percorrem os valores, uma pergunta ecoa na cozinha silenciosa: como é que chegámos aqui?

A resposta, como quase tudo na energia, está enterrada em camadas de política, mercado e geopolítica. Portugal sempre se vangloriou da sua transição verde, mas a realidade é que continuamos reféns de um sistema que nos prega partidas caras. As renováveis crescem, sim, mas o preço que pagamos na factura parece seguir uma lógica própria, divorciada dos custos reais de produção.

O que ninguém nos conta é que o mercado grossista de electricidade funciona como um casino onde todas as apostas são pagas pelos consumidores finais. Quando o gás sobe no mercado internacional, todas as formas de produção - incluindo as renováveis - acompanham essa subida. É como se o pão da padaria local subisse de preço porque o trigo aumentou noutro continente, mesmo que o padeiro use farinha produzida aqui ao lado.

Enquanto isso, os grandes consumidores industriais negoceiam directamente com os produtores, escapando a esta lógica perversa. As famílias e pequenas empresas ficam com a parte mais cara do bolo, criando uma assimetria que ninguém no poder parece disposto a resolver. É a velha história portuguesa: os pequenos pagam pelos grandes.

A transição energética tornou-se o álibi perfeito para justificar tudo. Falamos em hidrogénio verde, em solar flutuante, em eólica offshore, mas esquecemo-nos de que entre o discurso e a factura há um abismo que as famílias estão a atravessar com dificuldade. Os projectos megalómanos anunciados com pompa e circunstância raramente se traduzem em poupanças reais para quem paga as contas no final do mês.

A verdade inconveniente é que o sistema está desenhado para beneficiar quem já tem poder. As eléctricas lucram com a volatilidade dos preços, os intermediários multiplicam-se como cogumelos após a chuva, e o Estado arrecada impostos sobre um bem essencial como se fosse um produto de luxo. Enquanto discutimos se devemos ou não desligar as luzes ao sair de casa, os verdadeiros responsáveis pela crise energética continuam impunes.

Os mecanismos de protecção social existem, mas são como pensos rápidos num ferimento que precisa de pontos. A tarifa social ajuda, mas não resolve o problema de base: um mercado disfuncional que penaliza os mais vulneráveis. E quando o governo anuncia medidas de apoio, parece sempre chegar tarde e a más horas, como um socorro que chega depois do naufrágio.

A solução passa por uma reforma profunda do mercado energético, mas ninguém no poder parece ter coragem para a enfrentar. Preferem medidas cosméticas que acalmam a opinião pública sem resolver os problemas estruturais. É mais fácil distribuir subsídios do que enfrentar os lobbies que mantêm o sistema como está.

Enquanto isso, nas cozinhas portuguesas, a factura da luz tornou-se o termómetro da economia familiar. Cada aumento é um golpe, cada leitura do contador um exercício de contenção. Desligamos luzes, reduzimos banhos, adiamos a compra de electrodomésticos. A energia, que devia ser um direito básico, transformou-se num luxo que temos de gerir com conta, peso e medida.

O que está em jogo vai muito além dos euros na factura. É a nossa capacidade de viver com dignidade, de aquecer as nossas casas no inverno, de manter os alimentos refrigerados, de garantir que os nossos filhos podem estudar com luz adequada. Quando a energia se torna um pesadelo orçamental, é toda a qualidade de vida que fica comprometida.

Talvez seja hora de deixarmos de discutir apenas o preço da energia e começarmos a questionar o sistema que nos impõe estes custos. Porque por trás de cada factura há uma história de poder, de interesses e de escolhas políticas que alguém preferiu que não víssemos. E enquanto não olharmos para essas verdades incómodas, continuaremos a pagar o preço - literalmente - de um sistema que não serve quem mais precisa.

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