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O preço da luz e o silêncio dos painéis solares: o que escondem as contas da energia em Portugal

Há uma história que não aparece nas faturas da eletricidade. Enquanto os portugueses apertam o cinto a cada aumento da tarifa regulada, um outro mercado corre em paralelo, quase invisível. É o mundo dos contratos bilaterais, onde grandes consumidores industriais negociam diretamente com produtores, muitas vezes a preços que fariam corar qualquer cliente doméstico. A verdade é que a liberalização do mercado, em teoria feita para trazer concorrência e baixar preços, criou duas realidades distintas: uma para quem pode negociar volumes, outra para quem paga o que lhe é dito.

Nos últimos meses, enquanto a guerra na Ucrânia e a inflação dominavam as manchetes, um fenómeno mais subtil ganhava forma nos campos alentejanos e nas serras do norte. Portugal tornou-se num dos países europeus com maior crescimento de capacidade solar instalada. Os números são impressionantes: só em 2023, entraram em operação mais painéis solares do que em toda a década anterior. Mas esta revolução verde tem um lado menos falado: grande parte desta energia não chega às casas dos portugueses a preços acessíveis. Em vez disso, alimenta acordos corporativos e contratos de compra de energia a longo prazo (PPAs) que beneficiam principalmente grandes empresas multinacionais com operações no país.

O paradoxo é evidente. Temos sol como poucos na Europa, tecnologia de ponta em parques solares flutuantes e em sistemas de armazenamento, mas as famílias continuam a pagar entre as tarifas mais altas do continente. A explicação está nos detalhes da rede elétrica nacional. A infraestrutura de distribuição, essencial para levar a energia dos locais de produção até aos consumidores finais, está sobrecarregada e carece de investimentos significativos. Enquanto isso, os projetos solares mais recentes são construídos com linhas privadas de ligação, criando autênticas 'ilhas energéticas' que servem apenas a quem as financia.

Esta fragmentação do sistema elétrico nacional tem consequências profundas. Por um lado, permite o rápido desenvolvimento de energias renováveis sem os constrangimentos da rede pública. Por outro, cria um sistema a duas velocidades onde os benefícios da transição energética não são distribuídos de forma equitativa. Os pequenos produtores, aqueles que instalam painéis nos telhados das suas casas ou empresas, enfrentam barreiras burocráticas e técnicas que os grandes investidores conseguem contornar com equipas de advogados e engenheiros.

O resultado é um mercado de energia cada vez mais desigual. Enquanto algumas empresas conseguem garantir eletricidade a preços fixos durante 10 ou 15 anos através de PPAs, as famílias estão sujeitas às flutuações do mercado grossista e às decisões da reguladora. A falta de transparência nestes contratos corporativos torna difícil saber exatamente quem está a pagar o quê, mas os especialistas concordam: os custos da rede e dos serviços de sistema acabam por ser suportados desproporcionalmente pelos consumidores mais vulneráveis.

Há ainda outro elemento nesta equação: o hidrogénio verde. Apresentado como a solução milagrosa para descarbonizar setores difíceis como a indústria pesada e os transportes, o hidrogénio consome quantidades enormes de eletricidade para ser produzido. Os projetos anunciados para Sines e outros pontos do país vão competir diretamente com as necessidades dos consumidores domésticos pelos mesmos recursos renováveis. A questão que ninguém quer fazer em voz alta é simples: vamos usar o nosso sol e vento para alimentar as casas dos portugueses ou para exportar energia sob a forma de hidrogénio?

A resposta, pelos planos atuais, parece inclinar-se para a segunda opção. Os fundos europeus e os investidores internacionais estão mais interessados em projetos de grande escala com retorno garantido do que na complexa tarefa de baixar a fatura da luz das famílias. Esta priorização reflete uma visão da transição energética como oportunidade de negócio antes de ser um serviço público. O risco é que, no final desta revolução verde, Portugal tenha parques solares e eólicos de classe mundial, mas continue a ter uma das energias mais caras da Europa.

A solução não é simples, mas começa por colocar as perguntas certas. Porque é que um país com tanto sol tem uma fatura elétrica tão pesada? Quem beneficia realmente dos investimentos em renováveis? Como garantir que a transição energética não aumenta ainda mais as desigualdades sociais? Estas são as questões que deveriam dominar o debate público sobre energia, em vez das habituais promessas vagas sobre um futuro mais verde. O tempo de olhar para além dos números das faturas e entender o jogo de poder por trás dos megawatts é agora.

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