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O som do silêncio: como a perda auditiva está a moldar as nossas relações sociais

Num café de Lisboa, três amigos conversam animadamente. Maria, de 68 anos, sorri e acena enquanto os outros falam, mas os seus olhos denunciam uma certa distância. Ela perdeu cerca de 40% da sua capacidade auditiva nos últimos cinco anos, e as conversas em grupo tornaram-se um campo minado de mal-entendidos e frustrações. Esta cena repete-se diariamente em milhares de locais por todo o país, onde a perda auditiva não tratada está a criar barreiras invisíveis entre as pessoas.

A realidade portuguesa mostra números preocupantes: cerca de 30% da população acima dos 50 anos sofre de algum grau de perda auditiva, segundo dados da Sociedade Portuguesa de Otoneurologia. O que mais preocupa os especialistas não é apenas a dimensão do problema, mas o silêncio que o rodeia. Muitos portugueses levam em média sete anos desde os primeiros sintomas até procurarem ajuda profissional, tempo suficiente para que as consequências sociais e psicológicas se instalem profundamente.

A investigação conduzida pela Universidade do Porto revela um fenómeno curioso: as pessoas com perda auditiva não tratada tendem a desenvolver estratégias de compensação que, ironicamente, agravam o seu isolamento. A técnica do "sorriso e aceno" - aquela que Maria usa no café - é apenas uma delas. Outras incluem o afastamento gradual de situações sociais, a dependência excessiva do parceiro para "traduzir" conversas, e até a criação de respostas padrão que disfarçam a incompreensão.

O impacto psicológico desta situação é profundo e multifacetado. O Dr. António Silva, psicólogo clínico especializado em questões da terceira idade, explica: "A perda auditiva não tratada está fortemente associada a depressão, ansiedade social e declínio cognitivo acelerado. O cérebro, privado de estímulos auditivos adequados, começa a atrofiar-se de formas que ainda estamos a compreender."

Mas o problema não afecta apenas os mais velhos. Num escritório moderno no Porto, Ricardo, de 42 anos, luta diariamente com zumbidos constantes resultantes de anos de exposição a volumes elevados nos auscultadores. "Parece que tenho grilos dentro da cabeça 24 horas por dia", descreve. A sua história reflecte uma tendência crescente: a perda auditiva precoce entre adultos jovens, frequentemente relacionada com hábitos tecnológicos e ambientes profissionais ruidosos.

A tecnologia, porém, também traz soluções. Os modernos aparelhos auditivos deixaram de ser aqueles dispositivos volumosos e pouco discretos que muitos ainda imaginam. A revolução digital transformou-os em pequenos computadores que se adaptam automaticamente a diferentes ambientes sonoros, conectam-se a smartphones e até traduzem idiomas em tempo real. "É como ter um assistente pessoal para os ouvidos", brinca Carla Mendes, audiologista com 20 anos de experiência.

O custo continua a ser uma barreira significativa para muitos portugueses, mas o Sistema Nacional de Saúde tem vindo a expandir a sua cobertura para soluções auditivas. Além disso, surgiram alternativas mais acessíveis, como os aparelhos de venda directa e os serviços de subscrição mensal que democratizam o acesso a esta tecnologia.

O que mais surpreende na investigação sobre saúde auditiva é a relação directa entre a audição e a qualidade de vida global. Estudos longitudinais mostram que pessoas que tratam a sua perda auditiva mantêm relações sociais mais activas, apresentam menor risco de demência e reportam maior satisfação com a vida. "A audição não é apenas sobre ouvir - é sobre estar presente na vida", sintetiza a Dra. Isabel Costa, directora do Centro de Audiologia do Norte.

As soluções vão além dos aparelhos. A reabilitação auditiva, que combina tecnologia com terapia, ensina as pessoas a reaprender a ouvir e a comunicar eficazmente. "Muitos pacientes ficam surpreendidos ao descobrir que precisam de treinar o cérebro tanto quanto os ouvidos", explica a terapeuta Sofia Martins.

Nas escolas, programas de prevenção começam a alertar as novas gerações para os perigos do ruído excessivo. A mensagem é clara: a saúde auditiva é um capital que se acumula ao longo da vida, e cada concerto com protecção auricular, cada volume moderado nos auscultadores, é um investimento no futuro.

O caminho para uma sociedade mais consciente da importância da saúde auditiva ainda é longo, mas os sinais são promissores. Cada vez mais pessoas percebem que cuidar da audição não é um sinal de velhice, mas um acto de preservação da sua capacidade de se conectar com o mundo. Como diz Maria, que finalmente decidiu usar aparelhos: "Voltei a ouvir os pássaros de manhã e as piadas dos meus netos. É como ter redescoberto uma parte de mim que nem sabia que tinha perdido."

A verdade é que, num mundo cada vez mais barulhento, aprender a valorizar o silêncio e a qualidade do som que nos rodeia pode ser uma das lições mais importantes para mantermos a nossa humanidade intacta. A audição, afinal, não é apenas um sentido - é a ponte que nos liga uns aos outros, e merece toda a nossa atenção.

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