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O som do silêncio: como a perda auditiva está a moldar relações e identidades em Portugal

Num café de Lisboa, Maria, 68 anos, observa o movimento enquanto ajusta discretamente o seu aparelho auditivo. 'Antes, era como viver num filme mudo', confessa, enquanto o ruído da chávena contra o pires ecoa na sua nova realidade sonora. Esta experiência, partilhada por milhares de portugueses, revela uma verdade pouco discutida: a perda auditiva não é apenas uma questão médica, mas uma transformação identitária que redefine a forma como nos relacionamos com o mundo e connosco próprios.

A investigação conduzida por especialistas em audiologia portugueses aponta para um fenómeno preocupante: cerca de 30% da população acima dos 65 anos sofre de perda auditiva significativa, mas menos de metade procura ajuda. O que mantém tantas pessoas no silêncio? A resposta parece residir não na tecnologia disponível, mas no estigma social que ainda rodeia os aparelhos auditivos. 'As pessoas associam os aparelhos à velhice e à incapacidade', explica o Dr. António Silva, audiologista com 25 anos de experiência. 'Esquecem-se que a audição é tão vital para a qualidade de vida como a visão'.

A revolução tecnológica nos aparelhos auditivos tem sido silenciosa mas profunda. Os dispositivos atuais são maravilhas da microengenharia, capazes de distinguir entre o ruído de fundo e a voz humana, adaptando-se automaticamente a diferentes ambientes acústicos. Muitos modelos conectam-se directamente aos smartphones, permitindo ao utilizador ajustar as definições através de uma aplicação discreta. Esta evolução representa não apenas um avanço técnico, mas uma mudança filosófica: da correção de uma deficiência para o melhoramento das capacidades humanas.

No entanto, o acesso a esta tecnologia permanece desigual. Enquanto nas zonas urbanas as clínicas especializadas proliferam, nas regiões do interior muitos portugueses enfrentam viagens de horas para uma simples consulta de audiometria. Esta disparidade geográfica reflecte-se nos números: a taxa de utilização de aparelhos auditivos no Alentejo é 40% inferior à da Área Metropolitana de Lisboa. A democratização da saúde auditiva em Portugal exige, portanto, não apenas avanços tecnológicos, mas também uma estratégia de descentralização dos serviços.

O impacto psicológico da perda auditiva constitui outro capítulo desta história complexa. Estudos realizados em universidades portuguesas demonstram que a dificuldade em acompanhar conversas em grupo leva frequentemente ao isolamento social e, em casos mais graves, à depressão. 'A pessoa começa a evitar situações sociais porque se sente excluída', explica a psicóloga Carla Mendes. 'Este isolamento voluntário pode ser tão prejudicial quanto a própria perda auditiva'.

As relações familiares transformam-se profundamente. Filhos e netos adaptam-se inconscientemente, falando mais alto ou repetindo frases, enquanto os que sofrem de perda auditiva desenvolvem estratégias para disfarçar a dificuldade - sorrisos quando não ouvem a piada, acenos de cabeça quando não compreendem a pergunta. Estas microadaptações, embora bem-intencionadas, podem criar barreiras invisíveis na comunicação familiar.

A prevenção emerge como a grande esperança nesta batalha contra o silêncio. Especialistas em saúde pública defendem a implementação de programas de rastreio auditivo nas escolas e locais de trabalho, identificando problemas precocemente. 'A perda auditiva induzida por ruído é completamente evitável', sublinha o Professor Rui Costa, especialista em saúde ocupacional. 'Bastaria o uso consistente de protecção auditiva em ambientes ruidosos para prevenir milhares de casos anuais'.

O panorama legislativo português tem evoluído positivamente, com o Serviço Nacional de Saúde a aumentar progressivamente a comparticipação de aparelhos auditivos. Contudo, os valores continuam a representar um obstáculo para muitas famílias, especialmente as que dependem exclusivamente de reformas. A discussão sobre o papel do Estado na garantia do acesso à saúde auditiva permanece urgente e necessária.

A cultura portuguesa, tradicionalmente ruidosa e sociável, enfrenta um paradoxo: como preservar a riqueza das conversas de café, dos jantares familiares e das festas populares quando uma parte significativa da população não consegue participar plenamente nestes rituais? A resposta pode residir na combinação entre avanço tecnológico, educação pública e políticas sociais inclusivas.

O futuro da saúde auditiva em Portugal desenha-se na intersecção entre humanidade e tecnologia. Investigadores nacionais trabalham em aparelhos que não apenas amplificam sons, mas os interpretam - distinguindo entre o canto dos pássaros e o barulho do trânsito, entre a música e o discurso. Esta abordagem holística reconhece que ouvir não é apenas perceber sons, mas compreender significados.

Enquanto isso, nas ruas de Portugal, pequenas revoluções acontecem diariamente. Como a de João, 72 anos, que após colocar o seu primeiro aparelho auditivo descobriu que os seus netos tinham vozes diferentes - mais agudas, mais vivas. 'Pensei que conhecia os meus netos', diz emocionado. 'Afinal, estava a conhecer versões incompletas deles'. Esta redescoberta do mundo através do som representa não o fim de uma jornada, mas o início de uma nova forma de estar na vida - mais completa, mais rica, mais humana.

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