O som do silêncio: como a perda auditiva está a moldar uma geração mais isolada
O barulho do mundo moderno nunca foi tão alto, mas paradoxalmente, nunca tantas pessoas se sentiram tão sós no meio do ruído. A perda auditiva, que afeta mais de 15% da população portuguesa segundo dados da Direção-Geral da Saúde, tornou-se uma epidemia silenciosa que está a redefinir as relações humanas e a criar bolsas de isolamento social que poucos conseguem perceber do exterior.
Nas ruas de Lisboa, enquanto os turistas se maravilham com os eléctricos e o fado, há quem viva num mundo progressivamente mais silencioso. Maria, 68 anos, reformada da função pública, conta como começou a evitar os jantares de família: "Primeiro eram as conversas em grupo que se tornaram confusas. Depois, comecei a inventar desculpas para não ir a festas. Agora, até o café com as amigas me causa ansiedade. Fingir que ouço tudo tornou-se exaustivo."
Esta realidade não é exclusiva da terceira idade. João, um programador de 42 anos que trabalha numa startup tecnológica, descobriu há dois anos que tinha perda auditiva precoce devido ao uso constante de auriculares: "Passei anos com música alta para me concentrar no código. Quando percebi que estava constantemente a pedir para repetirem frases no escritório, o choque foi enorme. A pior parte foi perceber que as pessoas começaram a evitar falar comigo porque se cansavam de repetir."
Os especialistas em saúde auditiva alertam para o que chamam de "efeito dominó" da perda auditiva não tratada. "Quando uma pessoa deixa de ouvir bem, começa a isolar-se socialmente. Esse isolamento leva a depressão, ansiedade e até ao declínio cognitivo acelerado", explica a Dra. Sofia Martins, otorrinolaringologista no Hospital de Santa Maria. "O que muitos não percebem é que o cérebro precisa de estímulo auditivo para se manter saudável. Quando esse estímulo desaparece, as conexões neuronais enfraquecem."
A tecnologia tem sido tanto vilã como heroína nesta história. Por um lado, a exposição constante a dispositivos com som alto tem aumentado drasticamente os casos de perda auditiva em jovens. Por outro, os avanços nos aparelhos auditivos estão a criar soluções quase invisíveis e inteligentes que se conectam com smartphones e se adaptam automaticamente a diferentes ambientes sonoros.
"Os novos aparelhos são praticamente impercetíveis e fazem muito mais do que amplificar o som", revela Carlos Silva, técnico de audiologia com 25 anos de experiência. "Conseguem filtrar ruído de fundo, focar-se na voz da pessoa que está à nossa frente e até traduzir línguas em tempo real. O problema é que ainda há um estigma enorme em relação ao seu uso."
Esse estigma, aliado ao custo elevado de muitos dispositivos - que podem chegar aos 3.000 euros por ouvido - mantém milhares de portugueses longe das soluções que poderiam melhorar drasticamente a sua qualidade de vida. Enquanto isso, estudos mostram que quem sofre de perda auditiva não tratada tem até cinco vezes mais probabilidade de desenvolver demência.
Mas há luz no fim do túnel. Projetos comunitários estão a surgir por todo o país, desde oficinas de leitura labial até grupos de apoio onde pessoas com dificuldades auditivas partilham estratégias para navegar num mundo feito para quem ouve perfeitamente. "Aprendemos truques simples, como escolher mesas redondas em restaurantes para ver todos os rostos, ou sentar-nos de costas para a parede para reduzir o eco", partilha Ana, membro de um desses grupos no Porto.
O futuro da saúde auditiva em Portugal passa pela prevenção precoce e pela desmistificação dos aparelhos. Campanhas de rastreio em escolas e locais de trabalho, aliadas a uma maior cobertura por parte do Serviço Nacional de Saúde, poderiam mudar radicalmente este cenário. Enquanto isso, cada um de nós pode fazer a sua parte: baixar o volume dos auriculares, usar proteção em ambientes ruidosos e, acima de tudo, ter paciência com quem pede para repetir o que acabámos de dizer.
Porque no fim, o som mais importante que podemos ouvir é o da conexão humana - e esse é um som que vale a pena preservar a qualquer custo.
Nas ruas de Lisboa, enquanto os turistas se maravilham com os eléctricos e o fado, há quem viva num mundo progressivamente mais silencioso. Maria, 68 anos, reformada da função pública, conta como começou a evitar os jantares de família: "Primeiro eram as conversas em grupo que se tornaram confusas. Depois, comecei a inventar desculpas para não ir a festas. Agora, até o café com as amigas me causa ansiedade. Fingir que ouço tudo tornou-se exaustivo."
Esta realidade não é exclusiva da terceira idade. João, um programador de 42 anos que trabalha numa startup tecnológica, descobriu há dois anos que tinha perda auditiva precoce devido ao uso constante de auriculares: "Passei anos com música alta para me concentrar no código. Quando percebi que estava constantemente a pedir para repetirem frases no escritório, o choque foi enorme. A pior parte foi perceber que as pessoas começaram a evitar falar comigo porque se cansavam de repetir."
Os especialistas em saúde auditiva alertam para o que chamam de "efeito dominó" da perda auditiva não tratada. "Quando uma pessoa deixa de ouvir bem, começa a isolar-se socialmente. Esse isolamento leva a depressão, ansiedade e até ao declínio cognitivo acelerado", explica a Dra. Sofia Martins, otorrinolaringologista no Hospital de Santa Maria. "O que muitos não percebem é que o cérebro precisa de estímulo auditivo para se manter saudável. Quando esse estímulo desaparece, as conexões neuronais enfraquecem."
A tecnologia tem sido tanto vilã como heroína nesta história. Por um lado, a exposição constante a dispositivos com som alto tem aumentado drasticamente os casos de perda auditiva em jovens. Por outro, os avanços nos aparelhos auditivos estão a criar soluções quase invisíveis e inteligentes que se conectam com smartphones e se adaptam automaticamente a diferentes ambientes sonoros.
"Os novos aparelhos são praticamente impercetíveis e fazem muito mais do que amplificar o som", revela Carlos Silva, técnico de audiologia com 25 anos de experiência. "Conseguem filtrar ruído de fundo, focar-se na voz da pessoa que está à nossa frente e até traduzir línguas em tempo real. O problema é que ainda há um estigma enorme em relação ao seu uso."
Esse estigma, aliado ao custo elevado de muitos dispositivos - que podem chegar aos 3.000 euros por ouvido - mantém milhares de portugueses longe das soluções que poderiam melhorar drasticamente a sua qualidade de vida. Enquanto isso, estudos mostram que quem sofre de perda auditiva não tratada tem até cinco vezes mais probabilidade de desenvolver demência.
Mas há luz no fim do túnel. Projetos comunitários estão a surgir por todo o país, desde oficinas de leitura labial até grupos de apoio onde pessoas com dificuldades auditivas partilham estratégias para navegar num mundo feito para quem ouve perfeitamente. "Aprendemos truques simples, como escolher mesas redondas em restaurantes para ver todos os rostos, ou sentar-nos de costas para a parede para reduzir o eco", partilha Ana, membro de um desses grupos no Porto.
O futuro da saúde auditiva em Portugal passa pela prevenção precoce e pela desmistificação dos aparelhos. Campanhas de rastreio em escolas e locais de trabalho, aliadas a uma maior cobertura por parte do Serviço Nacional de Saúde, poderiam mudar radicalmente este cenário. Enquanto isso, cada um de nós pode fazer a sua parte: baixar o volume dos auriculares, usar proteção em ambientes ruidosos e, acima de tudo, ter paciência com quem pede para repetir o que acabámos de dizer.
Porque no fim, o som mais importante que podemos ouvir é o da conexão humana - e esse é um som que vale a pena preservar a qualquer custo.