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O som esquecido: como a saúde auditiva molda a nossa relação com o mundo

Num café de Lisboa, um homem de meia-idade inclina-se para a frente, o ouvido direito quase a tocar no interlocutor. 'Desculpe, pode repetir?', diz ele pela terceira vez em cinco minutos. Esta cena, cada vez mais comum nas nossas cidades, revela uma epidemia silenciosa que afecta cerca de 30% dos portugueses acima dos 50 anos. A perda auditiva não é apenas uma questão médica - é um fenómeno social que está a redefinir a forma como nos relacionamos.

A ciência tem demonstrado que a audição é muito mais do que a simples captação de sons. Quando perdemos esta capacidade, perdemos também parte da nossa conexão emocional com o mundo. Um estudo recente da Universidade do Porto revelou que pessoas com deficiência auditiva não tratada têm três vezes mais probabilidades de desenvolver depressão. O som do mar, o riso de uma criança, a melodia favorita - estas experiências sensoriais são pilares da nossa saúde mental.

O ruído urbano tornou-se o grande vilão da saúde auditiva contemporânea. Nas grandes cidades portuguesas, os níveis sonoros frequentemente ultrapassam os 85 decibéis - o limite considerado seguro pela Organização Mundial de Saúde. Os jovens são particularmente vulneráveis: segundo dados da Direcção-Geral da Saúde, 20% dos portugueses entre os 18 e os 30 anos já apresentam sinais de perda auditiva precoce, principalmente devido ao uso excessivo de auriculares.

A tecnologia, porém, oferece soluções surpreendentes. Os modernos aparelhos auditivos já pouco têm a ver com os dispositivos volumosos do passado. Hoje, são mini-computadores que se adaptam automaticamente a diferentes ambientes sonoros, conectam-se a smartphones e até traduzem idiomas em tempo real. Em Coimbra, uma startup portuguesa está a desenvolver um aparelho que não só amplifica os sons como os 'limpa' digitalmente, filtrando o ruído de fundo.

Mas o maior desafio continua a ser psicológico. 'Muitos pacientes chegam ao meu consultório após anos de negação', conta a Dra. Isabel Santos, otorrinolaringologista no Hospital de Santa Maria. 'Existe ainda um estigma social considerável em relação aos aparelhos auditivos, como se fossem um símbolo de velhice ou incapacidade.' Esta resistência tem custos elevados: quanto mais tempo se adia o tratamento, mais difícil se torna a adaptação aos dispositivos.

A alimentação também desempenha um papel crucial na saúde dos nossos ouvidos. Nutricionistas portugueses destacam a importância do zinco, do magnésio e das vitaminas do complexo B para proteger as células ciliadas da cóclea. Peixes como a sardinha e a cavala, ricos em ómega-3, ajudam a manter a flexibilidade dos vasos sanguíneos que irrigam o ouvido interno.

Curiosamente, a pandemia veio trazer algum benefício inesperado para a saúde auditiva. Com o teletrabalho e a redução da poluição sonora, muitas pessoas redescobriram sons que há muito não ouviam - o canto dos pássaros pela manhã, o sussurro das folhas ao ventem. Este 'detox' auditivo temporário serviu como alerta para a importância de proteger este sentido tão valioso.

Nas escolas, programas de prevenção começam a dar os primeiros frutos. No Algarve, uma iniciativa pioneira ensina crianças a medir os níveis sonoros dos seus ambientes usando aplicações de telemóvel. 'É fundamental educar desde cedo para hábitos auditivos saudáveis', defende o professor António Silva, coordenador do projecto. 'A prevenção é sempre melhor - e mais barata - que o tratamento.'

O futuro da saúde auditiva promete revoluções ainda maiores. Investigadores da Universidade de Aveiro trabalham num 'ouvido biónico' que poderá, um dia, restaurar completamente a audição através de interfaces cérebro-computador. Enquanto isso não acontece, especialistas recomendam check-ups auditivos regulares a partir dos 40 anos - uma medida simples que pode prevenir problemas graves.

No fundo, cuidar da nossa audição é cuidar da nossa humanidade. Cada conversa, cada música, cada som da natureza faz parte do tecido da nossa existência. Num mundo cada vez mais barulhento, aprender a escutar - e a proteger a nossa capacidade de o fazer - pode ser uma das lições mais importantes do nosso tempo.

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