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O labirinto dos seguros: como as seguradoras portuguesas estão a reinventar-se na era digital

Num escritório com vista para o Tejo, um analista de dados clica num botão. Em segundos, algoritmos processam milhares de sinistros automóveis dos últimos cinco anos, identificando padrões que escapariam ao olho humano mais treinado. Esta cena, que parece saída de um filme de ficção científica, tornou-se rotina nas principais seguradoras portuguesas. A transformação digital não é apenas uma buzzword no setor – é uma revolução silenciosa que está a redefinir tudo, desde a forma como calculamos prémios até à maneira como lidamos com o pior dia das nossas vidas.

Enquanto os consumidores navegam em aplicações móveis para comparar cotações em tempo real, as seguradoras mergulham em oceanos de dados. Telemetria nos veículos monitoriza hábitos de condução, sensores em casas detetam fugas de água antes que se tornem inundações, e wearables acompanham batimentos cardíacos durante o exercício físico. Cada byte de informação alimenta modelos preditivos cada vez mais sofisticados, criando um paradoxo moderno: nunca estivemos tão monitorizados, mas também nunca tivemos seguros tão personalizados.

Esta personalização tem um preço – e não falamos apenas de euros. A privacidade tornou-se a moeda de troca invisível. Quando aceitamos um desconto por partilhar dados de condução, o que estamos realmente a ceder? As políticas de uso de dados das seguradoras, escritas em letra miúda que poucos leem, escondem implicações que os reguladores ainda estão a decifrar. A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) tem aumentado a fiscalização, mas a tecnologia avança mais rápido que a legislação.

Nos bastidores, outra revolução está em curso: a inteligência artificial na análise de sinistros. Sistemas de reconhecimento de imagem avaliam danos em veículos através de fotografias enviadas por smartphones, reduzindo o tempo de processamento de semanas para horas. Em casos de catástrofes naturais, drones mapeiam áreas afetadas antes mesmo das equipas humanas conseguirem aceder. Esta eficiência traz benefícios óbvios, mas também levanta questões delicadas sobre a desumanização do processo. Quando um algoritmo decide o valor da indemnização, onde fica a consideração pelas circunstâncias individuais?

O setor enfrenta ainda o desafio geracional. Enquanto os millennials e a geração Z preferem interações digitais e produtos sob medida, muitos portugueses mais velhos mantêm-se fiéis aos mediadores tradicionais – aquelas figuras que conhecem pelo nome e com quem tomam café ocasionalmente. As seguradoras caminham numa corda bamba, tentando modernizar-se sem alienar uma base de clientes envelhecida que ainda representa a maior fatia do mercado.

As alterações climáticas acrescentam outra camada de complexidade. Incêndios florestais mais intensos, cheias repentinas e fenómenos meteorológicos extremos estão a tornar algumas coberturas tradicionalmente lucrativas em apostas de alto risco. No Algarve, seguradoras já reconsideram apólices para propriedades costeiras, enquanto na região centro os prémios contra incêndio dispararam. A sustentabilidade deixou de ser um tema de relatório de responsabilidade social para se tornar uma variável crucial nos modelos atuariais.

Paralelamente, surgem novos modelos de negócio. Seguros por subscrição, onde grupos com interesses comuns partilham riscos, ganham popularidade entre nichos específicos. Plataformas de peer-to-peer insurance prometem eliminar intermediários, embora ainda enfrentem cepticismo regulatório. E no horizonte, vislumbra-se a promessa (ou ameaça) dos smart contracts em blockchain, que poderiam automatizar pagamentos assim que certas condições forem verificadas, sem intervenção humana.

O que significa tudo isto para o consumidor comum? Por um lado, maior conveniência e, potencialmente, preços mais baixos para perfis de baixo risco. Por outro, uma complexidade crescente na hora de escolher a apólice adequada. Comparar seguros já não se resume a analisar coberturas e prémios – exige compreender políticas de dados, algoritmos de pricing e cláusulas sobre tecnologias emergentes.

Num café de Lisboa, três amigos discutem precisamente este tema. Um mostra no telemóvel a aplicação da sua seguradora, orgulhoso dos 15% de desconto que conseguiu por partilhar dados de condução. Outro confessa que ainda prefere tratar tudo através do seu mediador de sempre, 'o senhor António'. O terceiro, mais jovem, interroga-se se realmente precisa de seguro automóvel, considerando que usa maioritariamente serviços de ride-sharing. Estas três perspetivas capturam o momento de transição do setor: velhos hábitos, novas tecnologias e comportamentos em transformação.

À medida que o sol se põe sobre o escritório com vista para o Tejo, os algoritmos continuam a trabalhar. Processam, analisam, aprendem. As seguradoras portuguesas, muitas com décadas ou mesmo séculos de história, reinventam-se para sobreviver na era digital. O desafio será equilibrar inovação com confiança, eficiência com humanidade, dados com privacidade. Porque no final, mais importante que a tecnologia, será a capacidade de proteger o que realmente importa – mesmo quando não conseguimos prever o que o futuro reserva.

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