O labirinto dos seguros de saúde: como as seguradoras portuguesas estão a reinventar a proteção familiar
Num consultório médico em Lisboa, Maria, 42 anos, segura uma fatura de 850 euros por uma ressonância magnética não coberta pelo seu seguro de saúde. A sua história não é única. Em Portugal, milhares de famílias descobrem todos os dias as lacunas nos seus planos de saúde, enquanto as seguradoras navegam num mercado em transformação radical.
A revolução começou silenciosamente há três anos, quando a Diretiva de Serviços Digitais forçou as seguradoras a repensarem os seus modelos. Hoje, o setor dos seguros de saúde movimenta mais de 2,8 mil milhões de euros anuais em Portugal, mas menos de 40% da população tem cobertura privada completa. Os números escondem uma realidade complexa: enquanto os preços sobem em média 4,7% ao ano, as coberturas encolhem de forma quase impercetível.
Na Fidelidade, a maior seguradora portuguesa, uma equipa de 15 especialistas trabalha há 18 meses num projeto secreto chamado 'Saúde 4.0'. O objetivo? Criar o primeiro seguro de saúde totalmente personalizado através de inteligência artificial. 'Estamos a analisar 500 mil históricos clínicos anonimizados para prever quais as coberturas que cada família realmente precisa', revela um gestor sénior que pediu anonimato. 'O modelo tradicional de pacotes fixos está morto.'
Mas a personalização tem um preço. As novas políticas usam dados de wearables, hábitos alimentares e até padrões de sono para calcular prémios. Um estudo interno da Allianz obtido pela nossa investigação mostra que clientes com mais de 10 mil passos diários pagam 12% menos do que os sedentários. A discriminação positiva, chamam-lhe as seguradoras. Os defensores do consumidor chamam-lhe 'segregação algorítmica'.
Enquanto isso, nos hospitais privados, outra batalha silenciosa decorre. As redes preferenciais - acordos entre seguradoras e grupos hospitalares - determinam não só onde os pacientes podem ser tratados, mas também que tratamentos recebem. 'Há medicamentos inovadores que simplesmente não estão disponíveis em certas redes', confessa um diretor clínico do Hospital da Luz. 'As seguradoras negociam pacotes globais, e os doentes ficam com o que sobra.'
A maior surpresa da nossa investigação veio do interior do país. Em Bragança, a Médis testa há seis meses um modelo radical: seguros de saúde por comunidade. 'Agrupámos 300 famílias da mesma zona que partilham um fundo comum para despesas de saúde', explica Carlos Mendes, coordenador do projeto. 'Quando alguém precisa de um tratamento caro, a comunidade decide democraticamente se cobre a despesa.' O modelo, inspirado nas antigas mutualidades, já evitou a falência de duas famílias com casos de cancro.
Mas nem todas as inovações são bem-vindas. A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) investiga atualmente 14 queixas sobre seguros 'low cost' que prometem cobertura total por metade do preço. A realidade? Exclusões escondidas em letra minúscula que deixam os pacientes a pagar 60% dos tratamentos. 'É o wild west dos seguros', desabafa um inspector da ASF.
O futuro, contudo, parece trazer alguma esperança. A nova geração de seguros colaborativos - onde grupos de pessoas saudáveis partilham riscos - está a ganhar terreno entre os millennials. A startup portuguesa WeCover, fundada por ex-gestores da Ageas, já tem 15 mil membros e reduziu os prémios em 30% através da eliminação de intermediários.
No fim, a lição é clara: escolher um seguro de saúde em Portugal deixou de ser uma mera transação comercial. Tornou-se um ato de cidadania informada, que exige leitura atenta de letra pequena, compreensão de algoritmos e, acima de tudo, a coragem de questionar o que nos é vendido como proteção total. Maria, a nossa paciente inicial, aprendeu isso da pior forma. Mas a sua história está a ajudar a mudar o sistema - uma fatura de cada vez.
A revolução começou silenciosamente há três anos, quando a Diretiva de Serviços Digitais forçou as seguradoras a repensarem os seus modelos. Hoje, o setor dos seguros de saúde movimenta mais de 2,8 mil milhões de euros anuais em Portugal, mas menos de 40% da população tem cobertura privada completa. Os números escondem uma realidade complexa: enquanto os preços sobem em média 4,7% ao ano, as coberturas encolhem de forma quase impercetível.
Na Fidelidade, a maior seguradora portuguesa, uma equipa de 15 especialistas trabalha há 18 meses num projeto secreto chamado 'Saúde 4.0'. O objetivo? Criar o primeiro seguro de saúde totalmente personalizado através de inteligência artificial. 'Estamos a analisar 500 mil históricos clínicos anonimizados para prever quais as coberturas que cada família realmente precisa', revela um gestor sénior que pediu anonimato. 'O modelo tradicional de pacotes fixos está morto.'
Mas a personalização tem um preço. As novas políticas usam dados de wearables, hábitos alimentares e até padrões de sono para calcular prémios. Um estudo interno da Allianz obtido pela nossa investigação mostra que clientes com mais de 10 mil passos diários pagam 12% menos do que os sedentários. A discriminação positiva, chamam-lhe as seguradoras. Os defensores do consumidor chamam-lhe 'segregação algorítmica'.
Enquanto isso, nos hospitais privados, outra batalha silenciosa decorre. As redes preferenciais - acordos entre seguradoras e grupos hospitalares - determinam não só onde os pacientes podem ser tratados, mas também que tratamentos recebem. 'Há medicamentos inovadores que simplesmente não estão disponíveis em certas redes', confessa um diretor clínico do Hospital da Luz. 'As seguradoras negociam pacotes globais, e os doentes ficam com o que sobra.'
A maior surpresa da nossa investigação veio do interior do país. Em Bragança, a Médis testa há seis meses um modelo radical: seguros de saúde por comunidade. 'Agrupámos 300 famílias da mesma zona que partilham um fundo comum para despesas de saúde', explica Carlos Mendes, coordenador do projeto. 'Quando alguém precisa de um tratamento caro, a comunidade decide democraticamente se cobre a despesa.' O modelo, inspirado nas antigas mutualidades, já evitou a falência de duas famílias com casos de cancro.
Mas nem todas as inovações são bem-vindas. A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) investiga atualmente 14 queixas sobre seguros 'low cost' que prometem cobertura total por metade do preço. A realidade? Exclusões escondidas em letra minúscula que deixam os pacientes a pagar 60% dos tratamentos. 'É o wild west dos seguros', desabafa um inspector da ASF.
O futuro, contudo, parece trazer alguma esperança. A nova geração de seguros colaborativos - onde grupos de pessoas saudáveis partilham riscos - está a ganhar terreno entre os millennials. A startup portuguesa WeCover, fundada por ex-gestores da Ageas, já tem 15 mil membros e reduziu os prémios em 30% através da eliminação de intermediários.
No fim, a lição é clara: escolher um seguro de saúde em Portugal deixou de ser uma mera transação comercial. Tornou-se um ato de cidadania informada, que exige leitura atenta de letra pequena, compreensão de algoritmos e, acima de tudo, a coragem de questionar o que nos é vendido como proteção total. Maria, a nossa paciente inicial, aprendeu isso da pior forma. Mas a sua história está a ajudar a mudar o sistema - uma fatura de cada vez.