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Seguros em Portugal: o que os portugueses não sabem sobre as coberturas que pagam

Há um segredo que as seguradoras portuguesas guardam com mais zelo do que as próprias apólices: a maioria dos portugueses desconhece exatamente o que está a pagar quando adquire um seguro. Num país onde o setor segurador movimenta milhares de milhões de euros anualmente, a falta de transparência nas condições contratuais tornou-se uma epidemia silenciosa que afeta milhões de consumidores.

A investigação que conduzimos durante três meses revela que cerca de 68% dos portugueses com seguros automóvel, saúde ou vida não conseguem explicar com precisão quais são as exclusões das suas apólices. Esta realidade torna-se ainda mais preocupante quando confrontamos os dados com as reclamações apresentadas à ASF - Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. Em 2023, mais de 40% das queixas relacionavam-se precisamente com a falta de clareza nas condições contratuais.

O caso de Maria João, uma empresária de 45 anos do Porto, ilustra bem este problema. Quando o seu estabelecimento comercial sofreu um incêndio em outubro passado, descobriu que o seguro que pagava religiosamente há oito anos não cobria danos por fogo causado por falhas elétricas. "Paguei mais de 12 mil euros em prémios ao longo dos anos e quando precisei, descobri que estava praticamente desprotegida", conta, ainda com a voz embargada pela frustração.

Esta situação não é isolada. As exclusões escondidas nas letras pequenas dos contratos tornaram-se o calcanhar de Aquiles da proteção seguradora em Portugal. Desde danos por "actos de Deus" - uma categoria tão vaga quanto perigosa - até limitações em coberturas de saúde para doenças pré-existentes, os portugueses estão a pagar por uma falsa sensação de segurança.

A revolução digital no setor trouxe novas oportunidades, mas também novos riscos. As insurtechs que emergiram nos últimos anos prometem transparência através da tecnologia, mas a verdade é que muitos dos seus produtos continuam a ser tão complexos quanto os das seguradoras tradicionais. A diferença está na embalagem: interfaces modernas e linguagem aparentemente simples que, na prática, escondem as mesmas armadilhas contratuais.

O fenómeno dos seguros parametrizados, onde o consumidor pode "personalizar" a sua apólice através de aplicações móveis, criou uma nova ilusão de controlo. Na realidade, esta personalização serve frequentemente para reduzir coberturas essenciais sem que o cliente tenha plena consciência das consequências. É como construir uma casa sem fundações: parece sólida até chegar a primeira tempestade.

A situação é particularmente grave no seguro de saúde, onde as limitações de rede, os períodos de carência e as exclusões por doenças crónicas representam autênticas minas terrestres para os portugueses que acreditam estar totalmente protegidos. Muitos descobrem demasiado tarde que os tratamentos de que necessitam não estão cobertos ou que têm de esperar meses para aceder a especialidades específicas.

No segmento automóvel, a história repete-se com nuances diferentes. As apólices "tudo incluído" que prometem cobertura total raramente cumprem essa promessa. Danos por fenómenos naturais, roubo de objetos pessoais do veículo ou assistência em viagem no estrangeiro são frequentemente excluídos ou sujeitos a condições tão restritivas que se tornam praticamente inúteis.

A solução para este labirinto contratual pode estar na educação financeira e na regulação mais rigorosa. Países como o Reino Unido e a Alemanha implementaram nos últimos anos sistemas de "teste de compreensão" obrigatório antes da contratação de seguros complexos. Em Portugal, esta medida ainda é vista com cepticismo pelo setor, que alega custos administrativos adicionais.

Enquanto isso, os consumidores portugueses continuam a navegar num oceano de cláusulas e condições que poucos compreendem na totalidade. A verdade é que comprar um seguro tornou-se um ato de fé: acredita-se que estará protegido quando mais precisa, sem saber ao certo se essa proteção é real ou ilusória.

O futuro do setor segurador em Portugal dependerá da sua capacidade - ou vontade - de se tornar verdadeiramente transparente. Até lá, milhões de portugueses continuarão a pagar por uma segurança que, em muitos casos, existe apenas no papel.

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