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A revolução silenciosa do autoconsumo solar: como os portugueses estão a reescrever a sua relação com a energia

Num país banhado por mais de 300 dias de sol por ano, a energia solar sempre foi uma promessa adiada. Mas algo mudou nos últimos meses. Enquanto os grandes projetos fotovoltaicos dominam as manchetes, uma revolução silenciosa está a acontecer nos telhados, varandas e quintais de Portugal. O autoconsumo deixou de ser um nicho para ecologistas e transformou-se numa opção económica irresistível para famílias e pequenas empresas.

Os números contam uma história surpreendente. Segundo dados recentes da Direção-Geral de Energia e Geologia, as instalações de autoconsumo cresceram 187% no primeiro semestre de 2024 face ao período homólogo. Não se trata apenas de números frios: são histórias de reformados que viram a sua conta da luz reduzir para valores simbólicos, de pequenos comércios que sobrevivem à crise energética, de jovens casais que encontraram na energia solar a chave para a sua independência financeira.

Mas esta revolução não está isenta de paradoxos. Enquanto os cidadãos avançam, o sistema parece arrastar os pés. As filas de espera para ligações à rede ultrapassam os seis meses em algumas regiões, a burocracia assusta potenciais interessados, e a falta de técnicos qualificados cria um gargalo preocupante. "É como ter um carro desportivo sem estradas onde o conduzir", desabafa Miguel Santos, empresário do setor há 15 anos.

O que está a mudar, então? A resposta tem três letras: IVA. A redução do imposto sobre o valor acrescentado para 6% nos sistemas de autoconsumo, aprovada no Orçamento do Estado para 2024, funcionou como um acelerador inesperado. Juntamente com os preços históricos da eletricidade e a queda acentuada no custo dos painéis solares, criou-se uma tempestade perfeita a favor da energia solar.

Nas zonas rurais, o fenómeno assume contornos quase sociológicos. Em aldeias do interior alentejano, onde a desertificação parecia irreversível, o autoconsumo solar está a criar novas oportunidades. Pequenas unidades de transformação agrícola, que antes fechavam por causa dos custos energéticos, reabrem com painéis nos telhados. "A energia solar trouxe-nos de volta o futuro", diz Maria do Céu, produtora de azeite no Baixo Alentejo.

Nas cidades, a adaptação é mais complexa mas igualmente determinante. Os condomínios enfrentam batalhas jurídicas para instalar painéis nas áreas comuns, os prédios históricos debatem-se com restrições de conservação, e os espaços limitados obrigam a soluções criativas. Em Lisboa, já há empresas especializadas em sistemas verticais para varandas e fachadas, enquanto no Porto se multiplicam as cooperativas de energia que partilham instalações entre vizinhos.

O setor financeiro acordou para o potencial. Os bancos portugueses lançaram linhas de crédito específicas para autoconsumo solar, com taxas de juro abaixo da média e períodos de carência. Seguradoras desenvolveram produtos para cobrir danos em painéis solares, e até as imobiliárias começaram a valorizar as casas com instalações fotovoltaicas nos seus anúncios.

Mas há uma nuvem no horizonte ensolarado: a rede elétrica nacional. Especialistas alertam que, sem investimentos maciços na modernização da rede, o sucesso do autoconsumo pode tornar-se vítima do seu próprio sucesso. "Estamos a colocar milhares de pequenas centrais elétricas numa rede desenhada para fluxos unidirecionais", explica engenheira Carla Mendes, especialista em sistemas energéticos.

O armazenamento de energia emerge como o próximo capítulo desta revolução. As baterias domésticas, ainda caras para a maioria dos portugueses, começam a aparecer em projetos piloto financiados por fundos europeus. A combinação de painéis solares com sistemas de armazenamento promete não apenas autonomia energética, mas também a possibilidade de vender o excedente nos momentos de pico de consumo.

Enquanto isso, nas escolas, há uma geração que cresce com a energia solar como parte do seu quotidiano. Projetos educativos levam crianças a monitorizar a produção dos painéis das suas escolas, calculando em tempo real quantas árvores estão a "poupar". É uma mudança cultural que pode ser mais importante do que qualquer incentivo financeiro.

O futuro, claro, traz novas perguntas. Como integrar milhões de pequenos produtores num mercado energético estável? Como garantir que os benefícios chegam a todos, incluindo às famílias com menos recursos? Como preparar a rede para uma realidade onde cada telhado pode ser tanto consumidor como produtor?

Enquanto políticos e especialistas debatem estas questões, os portugueses não esperam. Instalam, produzem, poupam. Num país com tradição de esperar pelo Estado, a energia solar está a criar uma nova cultura de iniciativa individual. Talvez a verdadeira revolução não esteja apenas nos painéis, mas na redescoberta de que, às vezes, as soluções estão mesmo ao nosso alcance – ou, neste caso, ao alcance do sol.

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