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A revolução silenciosa do hidrogénio verde em Portugal: entre promessas e obstáculos

Enquanto os holofotes mediáticos se concentram nos painéis solares que cobrem cada vez mais telhados portugueses, uma revolução mais silenciosa - e potencialmente mais transformadora - ganha forma nos laboratórios e centros de investigação do país. O hidrogénio verde emerge não como concorrente da energia solar, mas como seu aliado estratégico na transição energética que Portugal abraçou com determinação única na Europa.

Nos últimos meses, os principais grupos económicos nacionais aceleraram investimentos que ultrapassam já os 900 milhões de euros em projetos de hidrogénio. A Galp anunciou a sua aposta em Sines, a EDP multiplica pilotos por todo o território, enquanto a Navigator explora sinergias com a sua produção de celulose. O que motiva esta corrida não é apenas convicção ambiental, mas uma perceção aguçada de oportunidade económica num mercado global que poderá valer 2,5 biliões de dólares até 2050.

O segredo do hidrogénio verde reside na sua génese: produzido através da eletrólise da água usando eletricidade de fontes renováveis, transforma o excesso de produção solar e eólica - que Portugal já conhece em horas de pico - num vetor energético armazenável e transportável. Esta característica responde ao calcanhar de Aquiles das renováveis: a intermitência. Enquanto o sol não brilha nem o vento sopra, o hidrogénio pode alimentar indústrias, transportes pesados e até ser reinjetado na rede elétrica.

Por trás dos anúncios otimistas, porém, escondem-se desafios monumentais. O custo de produção permanece significativamente superior ao do hidrogénio cinzento (produzido a partir de gás natural), exigindo ainda subsídios e mecanismos de apoio para se tornar competitivo. A infraestrutura de transporte e distribuição praticamente não existe, enquanto a escassez de água em regiões como o Alentejo - idealmente ensolaradas para a produção solar - levanta questões sobre a sustentabilidade do processo.

Os especialistas contactados para esta análise dividem-se entre entusiastas e céticos. "Portugal tem condições excecionais para se tornar exportador de hidrogénio verde para o Norte da Europa", defende Maria Santos, investigadora do INEGI. "A combinação de sol, vento e espaço disponível cria uma vantagem competitiva difícil de replicar." Do outro lado, João Silva, economista energético, alerta: "Estamos a construir castelos sobre areia movediça. Sem mercados garantidos e com tecnologia ainda em amadurecimento, arriscamos repetir os erros dos biocombustíveis."

O setor industrial português observa estes desenvolvimentos com interesse cauteloso. A indústria cimenteira e a cerâmica, ambas intensivas em energia e sob pressão para descarbonizar, veem no hidrogénio uma potencial tábua de salvação. A Cimpor já iniciou testes para substituir parte do gás natural nos seus fornos, enquanto a Vista Alegre explora aplicações na produção de vidro. Os resultados preliminares são promissores, mas os custos continuam proibitivos para adoção generalizada.

No plano geopolítico, Portugal posiciona-se como potencial ponte energética entre a Europa e África. Os projetos de hidrogénio no Sul de Portugal poderão servir de modelo para desenvolvimento semelhante em países como Marrocos e Angola, criando um eixo energético sul-atlântico. Esta visão estratégica já captou a atenção de fundos soberanos e investidores institucionais, que veem na Península Ibérica o "future hub" do hidrogénio verde europeu.

Os cidadãos comuns, no entanto, permanecem largamente alheios a esta revolução em gestação. Enquanto debates sobre painéis solares dominam as conversas de café, o hidrogénio verde continua confinado a círculos técnicos e empresariais. Esta desconexão entre a inovação e a perceção pública representa um risco democrático: decisões que moldarão o futuro energético do país estão a ser tomadas sem o escrutínio e participação que merecem.

Os próximos 24 meses serão decisivos. Os projetos-piloto atualmente em fase de desenvolvimento começarão a produzir dados concretos sobre viabilidade técnica e económica. A União Europeia definirá regras mais claras para o mercado de hidrogénio. E Portugal terá de decidir se aposta forte na exportação ou se concentra primeiro no consumo interno. Esta encruzilhada definirá não apenas o futuro energético nacional, mas o lugar de Portugal na economia verde global.

O que emerge desta investigação é um retrato complexo: por um lado, um potencial extraordinário que pode colocar Portugal na vanguarda da transição energética; por outro, riscos significativos que exigem gestão cuidadosa. O hidrogénio verde não é a bala de prata que resolverá todos os desafios energéticos, mas representa uma peça crucial no puzzle da descarbonização - desde que desenvolvido com pragmatismo, transparência e atenção aos impactos sociais e ambientais.

Enquanto isso, nos telhados portugueses, os painéis solares continuam a sua expansão silenciosa, ignorando que podem vir a ter um aliado poderoso - e invisível - nos depósitos de hidrogénio que começarão a surgir nas paisagens nacionais. A revolução energética portuguesa, afinal, terá muitas faces, e o hidrogénio verde promete ser uma das mais transformadoras.

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