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O paradoxo energético português: quando o sol brilha mas a fatura não baixa

Enquanto Portugal bate recordes de produção solar, os consumidores continuam a abrir as faturas de eletricidade com um misto de perplexidade e frustração. O país transformou-se num caso de estudo europeu: como é possível ter dias em que a energia solar chega a suprir mais de 60% do consumo nacional e, ainda assim, as famílias sentirem cada vez mais o peso da conta da luz?

A resposta está numa teia complexa de mecanismos de mercado, infraestruturas desadequadas e uma transição energética que avança a duas velocidades. Nos últimos meses, os preços no mercado grossista têm caído significativamente durante as horas de maior irradiação solar, mas essa descida não se reflete proporcionalmente nas tarifas finais. O sistema parece estar desenhado para proteger interesses estabelecidos em detrimento do consumidor comum.

As interligações elétricas com Espanha e Europa revelam-se outro ponto crítico. Nos picos de produção solar, Portugal exporta energia a preços baixíssimos, por vezes próximo de zero, enquanto mantém centrais a gás em standby - custos que depois são repassados aos consumidores através de mecanismos obscuros de compensação. É como vender o melhor vinho da adega a preço de saldo e cobrar a rolha como extra na conta final.

Os grandes consumidores industriais já aprenderam a jogar este jogo. Ajustam os seus horários de produção para coincidir com as horas de menor preço, enquanto as famílias, com horários rígidos, continuam reféns de um sistema que não foi pensado para elas. A democratização da energia esbarra numa arquitetura de mercado que privilegia os grandes players.

A revolução dos prosumers - consumidores que também produzem - enfrenta barreiras burocráticas que parecem saídas de um romance kafkiano. Os trâmites para instalar painéis solares e vender o excedente à rede envolvem meses de espera, licenças municipais obscuras e taxas que desincentivam o cidadão comum. Enquanto isso, os parques solares de grande escala multiplicam-se, muitas vezes com benefícios fiscais questionáveis.

O armazenamento de energia emerge como o Santo Graal desta transição. As baterias domésticas ainda são um luxo para a maioria das famílias portuguesas, e os projetos de armazenamento em grande escala avançam a passo de caracol. O resultado? Desperdiçamos energia limpa quando sobra e queimamos gás quando falta.

As comunidades de energia renovável, apesar do potencial revolucionário, enfrentam obstáculos legais que as mantêm na sombra. O modelo cooperativo, que poderia redistribuir melhor os benefícios da energia solar, esbarra numa legislação pensada para o século passado.

O governo anuncia metas ambiciosas para 2030, mas os instrumentos de política energética parecem descoordena dos. Os benefícios fiscais para o solar residencial são irrisórios quando comparados com os subsídios indirectos que ainda recebem os combustíveis fósseis.

A digitalização das redes elétricas avança a passo demasiado lento. Contadores inteligentes que permitiriam tarifas dinâmicas e gestão ativa da procura ainda são uma miragem para a maioria dos portugueses. Continuamos presos a um modelo de consumo passivo, herdeiro direto do século XX.

Os especialistas alertam: estamos a criar um sistema dual onde os ricos podem aproveitar os benefícios da transição energética enquanto a classe média e baixa continua refém dos preços altos. A energia solar arrisca-se a tornar-se mais um factor de desigualdade social em vez do equalizador que prometia ser.

O paradoxo português serve de alerta para outros países em transição energética. Produzir energia limpa não é suficiente - é preciso revolucionar todo o ecossistema energético, desde a produção até ao consumo final. Caso contrário, continuaremos a ter dias de sol radiante e faturas igualmente brilhantes... mas por todas as razões erradas.

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