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O paradoxo energético português: quando o sol brilha mas os investimentos não aquecem

O sol português é um recurso quase infinito, uma dádiva natural que nos visita 300 dias por ano. No entanto, enquanto os termómetros sobem e as praias enchem, o setor da energia solar vive um paradoxo digno de Kafka: temos sol para vender, mas faltam compradores dispostos a pagar o preço justo. A verdade é que Portugal está a dormir ao sol quando devia estar a capitalizar o seu maior ativo energético.

Nos últimos meses, os leilões solares têm sido um deserto de propostas. Os investidores internacionais, que antes faziam fila para entrar no mercado português, começam agora a virar as costas. O motivo? Uma burocracia labiríntica que transforma projetos de meses em odisseias de anos. Enquanto isso, os nossos vizinhos espanhóis aproveitam a vaga verde e constroem parques solares a um ritmo que nos deixa a comer poeira.

O problema não está na falta de ambição política. O Plano Nacional de Energia e Clima estabelece metas ambiciosas: 80% de eletricidade renovável até 2030. Mas entre o papel e o terreno há um abismo de licenças, autorizações e estudos de impacto que sufocam até os projetos mais promissores. Um promotor que quisesse construir um parque solar hoje teria de enfrentar 17 entidades diferentes e esperar entre 18 a 24 meses só para obter a licença de produção.

Enquanto os grandes projetos emperram, surge uma revolução silenciosa nos telhados portugueses. As famílias e pequenas empresas descobrem que podem ser produtores e consumidores ao mesmo tempo. A energia solar distribuída cresce a dois dígitos, impulsionada por preços de painéis em queda livre e pela vontade de escapar às flutuações do mercado grossista. Mas mesmo aqui há obstáculos: a rede elétrica não está preparada para receber tanta energia descentralizada.

O setor agrícola poderia ser o grande beneficiário desta transição. Imagine-se: terrenos marginais que produzem energia durante o dia e culturas à noite, ou estufas com painéis semitransparentes que protegem as plantas do excesso de calor enquanto geram eletricidade. Estas soluções existem, mas esbarram na falta de incentivos específicos e na resistência cultural de um setor tradicional.

O financiamento é outro calcanhar de Aquiles. Os bancos portugueses ainda olham para os projetos solares como investimentos de alto risco, exigindo garantias que muitas PME não conseguem fornecer. Enquanto isso, os fundos internacionais preferem apostar em mercados mais maduros como a Alemanha ou a Holanda, onde os processos são mais rápidos e previsíveis.

A crise geopolítica devia ter sido o empurrão final. Com os preços do gás a bater recordes e a dependência energética a revelar-se uma vulnerabilidade estratégica, a energia solar aparecia como a solução óbvia. Mas a resposta tem sido lenta e hesitante. Os mesmos obstáculos que travavam o setor antes da guerra na Ucrânia continuam hoje, apenas com mais urgência.

Há, no entanto, sinais de esperança. As comunidades energéticas começam a florescer no interior, onde os municípios se unem para criar projetos que beneficiam toda a população. São iniciativas pequenas, quase caseiras, mas que mostram o caminho: quando as pessoas sentem que a energia lhes pertence, o envolvimento e o sucesso são maiores.

O armazenamento é a peça que falta no puzzle. Sem baterias eficientes e baratas, a energia solar continua a ser intermitente - produz quando o sol brilha, não necessariamente quando precisamos. Portugal tem condições únicas para testar soluções inovadoras, desde o hidrogénio verde até às baterias de fluxo, mas os projetos-piloto são insuficientes para criar escala.

O que falta, no fundo, é visão. Visão para entender que a energia solar não é apenas uma questão ambiental, mas sim uma oportunidade económica histórica. Podíamos estar a exportar eletricidade para a Europa, a criar milhares de empregos qualificados, a desenvolver tecnologia de ponta. Em vez disso, discutimos pormenores burocráticos enquanto o sol continua a brilhar, gratuito e desperdiçado.

O futuro já chegou, só que não está distribuído igualmente. Enquanto alguns países correm para a frente, nós continuamos a andar a passo de caracol. O sol português merece mais do que isto - e os portugueses também.

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