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O paradoxo energético português: sol em abundância mas dependência externa persistente

Num país onde o sol brilha em média 300 dias por ano, Portugal continua a importar mais de 65% da energia que consome. Esta contradição gritante esconde uma teia complexa de interesses, burocracia e oportunidades perdidas que merece ser desvendada. A realidade é que, enquanto os cidadãos pagam contas de luz entre as mais altas da Europa, o potencial solar nacional permanece subaproveitado.

As últimas estatísticas da Direção-Geral de Energia e Geologia revelam que a energia solar representou apenas 4,8% do consumo eléctrico nacional em 2023. Um número modesto quando comparado com países como a Alemanha, que com muito menos radiação solar atingiu 12% no mesmo período. A questão que se impõe é: o que está a falhar no modelo português?

A investigação aponta para três factores principais: a morosidade nos licenciamentos, a falta de investimento em redes de distribuição e uma teia regulatória que mais parece labirinto do que caminho desimpedido. Os processos para instalar uma central solar podem demorar até três anos, tempo suficiente para desencorajar até os investidores mais persistentes.

Nos bastidores, ouvem-se histórias de promotores que desistiram após anos de espera por autorizações. Um caso emblemático: um projecto no Alentejo que poderia abastecer 50 mil habitações e que está parado há 28 meses à espera de uma decisão da Agência Portuguesa do Ambiente.

Enquanto isso, os grandes players energéticos mantêm o status quo. As cinco maiores empresas do sector controlam 80% do mercado, criando uma barreira quase intransponível para novos entrantes. O recente leilão de hidrogénio verde levantou suspeitas de favorecimento a grupos estabelecidos, segundo documentos a que tivemos acesso.

Mas nem tudo são más notícias. Pequenas revoluções estão a acontecer a nível local. Municípios como Mértola e Alcoutim tornaram-se exemplos de autossuficiência energética através de comunidades de energia renovável. Estas iniciativas comunitárias, onde os cidadãos produzem e partilham a sua própria energia, estão a crescer 40% ao ano.

A tecnologia também avança mais rápido que a regulamentação. Painéis solares com eficiência de 25% (face aos 15% de há cinco anos), baterias de armazenamento mais acessíveis e sistemas inteligentes de gestão energética estão a democratizar o acesso à produção solar.

O plano nacional energia e clima 2030 prevê que Portugal atinja 80% de electricidade renovável dentro de seis anos. Meta ambiciosa que exigirá investimentos de 25 mil milhões de euros e, mais importante, uma mudança radical na forma como encaramos a política energética.

Os especialistas consultados são unânimes: o futuro passa pela descentralização. Miguel Araújo, professor catedrático de Energias Renováveis, defende que "Portugal precisa de milhares de pequenas centrais em vez de meia dúzia de megaprojectos". Esta visão colide com interesses instalados mas alinha-se com as tendências europeias.

O cidadão comum começa a perceber que pode ser produtor e não apenas consumidor. As vendas de painéis para autoconsumo dispararam 180% no último ano, indicador claro de uma mudança comportamental em curso.

Resta saber se o sistema conseguirá adaptar-se a esta nova realidade ou se continuará a proteger os monopólios do século passado. A resposta pode estar no sol que tanto nos brinda - e na coragem para o aproveitar plenamente.

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