O paradoxo solar: Portugal brilha na energia limpa enquanto famílias pagam mais pela eletricidade
O sol português nunca foi tão valioso. Enquanto o país bate recordes consecutivos na produção de energia solar, com painéis fotovoltaicos a multiplicarem-se de norte a sul, uma realidade desconfortável persiste: as contas de luz das famílias continuam a subir. Este paradoxo energético revela uma das maiores contradições da transição verde em Portugal, onde o sucesso técnico não se traduz necessariamente em benefícios económicos para os consumidores.
Nos últimos três anos, a capacidade solar instalada em Portugal triplicou, ultrapassando os 2,5 gigawatts. Projetos como o da Central Fotovoltaica de Ourika no Alentejo, uma das maiores da Europa, produzem energia suficiente para abastecer centenas de milhares de habitações. Os números são impressionantes - em dias de pico, a solar já chegou a representar mais de 30% do consumo nacional. Mas esta revolução silenciosa tem um lado menos visível: os custos que continuam a pesar nas faturas dos portugueses.
A explicação reside no complexo mecanismo de formação de preços no mercado ibérico de eletricidade (MIBEL). Apesar da energia solar ser das mais baratas de produzir, o preço final da eletricidade é determinado pela fonte mais cara necessária para satisfazer a procura - geralmente o gás natural. Este sistema, conhecido como 'marginalismo', significa que mesmo quando o sol brilha a custo zero, os consumidores pagam como se toda a energia viesse de fontes fósseis.
Enquanto isso, o investimento em solar continua a acelerar. Grandes grupos energéticos e fundos de investimento internacionais disputam os melhores terrenos para instalar parques solares, especialmente no Alentejo e no Algarve, onde a radiação solar atinge valores recorde. Só no primeiro semestre deste ano, foram licenciados mais de 150 novos projetos, representando um investimento superior a 800 milhões de euros. O governo prevê que até 2030, Portugal terá 9 gigawatts de capacidade solar instalada, o suficiente para alimentar todo o país em dias de consumo moderado.
Mas esta corrida ao ouro solar não está isenta de controvérsias. Agricultores no Baixo Alentejo queixam-se de ver as suas melhores terras agrícolas serem ocupadas por painéis, enquanto as comunidades locais questionam os benefícios que realmente recebem destes megaprojetos. 'Eles vêm, instalam os painéis, e nós continuamos com as mesmas dificuldades', desabafa um produtor de cortiça de Montemor-o-Novo. 'A energia vai para Lisboa e nós ficamos com o impacto visual e a perda de solo produtivo.'
O setor residencial também vive a sua própria revolução. Cada vez mais portugueses instalam painéis nos telhados das suas casas, aproveitando os programas de apoio governamentais e a descida de preços da tecnologia. Só em 2023, foram instalados mais de 50 mil sistemas de autoconsumo, um aumento de 40% face ao ano anterior. No entanto, a burocracia e os custos de ligação à rede continuam a ser entraves significativos para muitas famílias.
A verdadeira questão que se coloca é: quem está a beneficiar realmente do boom solar? Os dados da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) mostram que, enquanto os grandes produtores veem os seus lucros aumentar, as famílias portuguesas continuam entre as que pagam a eletricidade mais cara da Europa. Em 2023, o preço médio da eletricidade para consumidores domésticos foi 25% superior à média europeia, apesar de Portugal ser um dos países com maior penetração de renováveis.
Especialistas contactados para este artigo apontam várias soluções possíveis. A reforma do mercado grossista de eletricidade, já em discussão em Bruxelas, poderia permitir que os consumidores beneficiassem mais diretamente dos baixos custos da solar. Outra possibilidade seria o desenvolvimento de comunidades energéticas, onde os cidadãos se associam para produzir e consumir a sua própria energia, contornando os intermediários.
O caso da freguesia de São Bartolomeu de Messines, no Algarve, serve de exemplo. Aqui, uma comunidade de 200 famílias criou a sua própria cooperativa energética, instalando painéis num terreno municipal e vendendo a energia a preço de custo aos seus membros. 'Conseguimos reduzir as faturas em cerca de 40%', explica o presidente da cooperativa. 'O modelo funciona, mas precisa de mais apoio das autoridades.'
Enquanto o debate continua, o sol português não para de brilhar. A questão que fica no ar é se a sua luz irá iluminar apenas os balanços das grandes empresas, ou se conseguirá também aquecer as casas e aliviar os orçamentos das famílias portuguesas. A transição energética está a acontecer, mas a sua justiça social ainda está por garantir.
O futuro poderá trazer novas esperanças. Tecnologias como o hidrogénio verde, produzido a partir de solar, e o armazenamento em baterias em grande escala prometem revolucionar ainda mais o setor. Portugal tem a oportunidade única de se tornar não apenas produtor, mas também exportador de energia limpa para o resto da Europa. O desafio será garantir que esta riqueza beneficie todos os portugueses, e não apenas alguns privilegiados.
Enquanto isso, nas varandas e telhados do país, os painéis solares continuam a sua silenciosa revolução. Eles representam tanto o potencial como as contradições de um país que aprendeu a capturar o sol, mas ainda não descobriu como partilhar equitativamente os seus frutos.
Nos últimos três anos, a capacidade solar instalada em Portugal triplicou, ultrapassando os 2,5 gigawatts. Projetos como o da Central Fotovoltaica de Ourika no Alentejo, uma das maiores da Europa, produzem energia suficiente para abastecer centenas de milhares de habitações. Os números são impressionantes - em dias de pico, a solar já chegou a representar mais de 30% do consumo nacional. Mas esta revolução silenciosa tem um lado menos visível: os custos que continuam a pesar nas faturas dos portugueses.
A explicação reside no complexo mecanismo de formação de preços no mercado ibérico de eletricidade (MIBEL). Apesar da energia solar ser das mais baratas de produzir, o preço final da eletricidade é determinado pela fonte mais cara necessária para satisfazer a procura - geralmente o gás natural. Este sistema, conhecido como 'marginalismo', significa que mesmo quando o sol brilha a custo zero, os consumidores pagam como se toda a energia viesse de fontes fósseis.
Enquanto isso, o investimento em solar continua a acelerar. Grandes grupos energéticos e fundos de investimento internacionais disputam os melhores terrenos para instalar parques solares, especialmente no Alentejo e no Algarve, onde a radiação solar atinge valores recorde. Só no primeiro semestre deste ano, foram licenciados mais de 150 novos projetos, representando um investimento superior a 800 milhões de euros. O governo prevê que até 2030, Portugal terá 9 gigawatts de capacidade solar instalada, o suficiente para alimentar todo o país em dias de consumo moderado.
Mas esta corrida ao ouro solar não está isenta de controvérsias. Agricultores no Baixo Alentejo queixam-se de ver as suas melhores terras agrícolas serem ocupadas por painéis, enquanto as comunidades locais questionam os benefícios que realmente recebem destes megaprojetos. 'Eles vêm, instalam os painéis, e nós continuamos com as mesmas dificuldades', desabafa um produtor de cortiça de Montemor-o-Novo. 'A energia vai para Lisboa e nós ficamos com o impacto visual e a perda de solo produtivo.'
O setor residencial também vive a sua própria revolução. Cada vez mais portugueses instalam painéis nos telhados das suas casas, aproveitando os programas de apoio governamentais e a descida de preços da tecnologia. Só em 2023, foram instalados mais de 50 mil sistemas de autoconsumo, um aumento de 40% face ao ano anterior. No entanto, a burocracia e os custos de ligação à rede continuam a ser entraves significativos para muitas famílias.
A verdadeira questão que se coloca é: quem está a beneficiar realmente do boom solar? Os dados da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) mostram que, enquanto os grandes produtores veem os seus lucros aumentar, as famílias portuguesas continuam entre as que pagam a eletricidade mais cara da Europa. Em 2023, o preço médio da eletricidade para consumidores domésticos foi 25% superior à média europeia, apesar de Portugal ser um dos países com maior penetração de renováveis.
Especialistas contactados para este artigo apontam várias soluções possíveis. A reforma do mercado grossista de eletricidade, já em discussão em Bruxelas, poderia permitir que os consumidores beneficiassem mais diretamente dos baixos custos da solar. Outra possibilidade seria o desenvolvimento de comunidades energéticas, onde os cidadãos se associam para produzir e consumir a sua própria energia, contornando os intermediários.
O caso da freguesia de São Bartolomeu de Messines, no Algarve, serve de exemplo. Aqui, uma comunidade de 200 famílias criou a sua própria cooperativa energética, instalando painéis num terreno municipal e vendendo a energia a preço de custo aos seus membros. 'Conseguimos reduzir as faturas em cerca de 40%', explica o presidente da cooperativa. 'O modelo funciona, mas precisa de mais apoio das autoridades.'
Enquanto o debate continua, o sol português não para de brilhar. A questão que fica no ar é se a sua luz irá iluminar apenas os balanços das grandes empresas, ou se conseguirá também aquecer as casas e aliviar os orçamentos das famílias portuguesas. A transição energética está a acontecer, mas a sua justiça social ainda está por garantir.
O futuro poderá trazer novas esperanças. Tecnologias como o hidrogénio verde, produzido a partir de solar, e o armazenamento em baterias em grande escala prometem revolucionar ainda mais o setor. Portugal tem a oportunidade única de se tornar não apenas produtor, mas também exportador de energia limpa para o resto da Europa. O desafio será garantir que esta riqueza beneficie todos os portugueses, e não apenas alguns privilegiados.
Enquanto isso, nas varandas e telhados do país, os painéis solares continuam a sua silenciosa revolução. Eles representam tanto o potencial como as contradições de um país que aprendeu a capturar o sol, mas ainda não descobriu como partilhar equitativamente os seus frutos.