O paradoxo solar: Portugal brilha na energia renovável enquanto famílias pagam preços recorde
O sol português nunca foi tão valioso. Enquanto os campos do Alentejo e do Algarve se cobrem de painéis fotovoltaicos que transformam luz em milhões de euros, nas cozinhas das casas portuguesas as faturas da eletricidade continuam a queimar orçamentos familiares. Esta é a história de um país que se tornou num caso de estudo europeu na produção de energia solar, mas onde o consumidor final ainda não sente os benefícios na carteira.
Nos últimos três anos, Portugal multiplicou por cinco a sua capacidade solar instalada, ultrapassando os 3,5 GW no final de 2023. Os leilões solares atraíram gigantes internacionais que investiram milhares de milhões, transformando terrenos áridos em centrais energéticas. O governo celebra estes números como prova do sucesso da transição energética, mas os especialistas alertam para um desfasamento entre a produção e o consumo.
O problema reside no mercado grossista. A eletricidade produzida a custos baixíssimos nos parques solares é vendida no mercado ibérico MIBEL ao mesmo preço que a gerada por centrais a gás, devido ao mecanismo de formação de preços marginalista. Enquanto o megawatt-hora solar custa menos de 30 euros a produzir, os consumidores pagam frequentemente acima dos 100 euros, porque o preço final é ditado pela fonte mais cara necessária para cobrir a procura.
As comunidades energéticas emergem como alternativa promissora, mas esbarram na burocracia. Em Évora, um grupo de 50 famílias espera há 18 meses pela licença para partilhar a energia dos seus painéis. "Temos o sol, temos a tecnologia, temos o dinheiro, mas não temos autorização", desabafa Maria Santos, professora reformada que investiu as suas poupanças no projeto.
A indústria pesada portuguesa já percebeu o potencial. A Navigator instalou a maior central solar privada do país para alimentar a sua fábrica de papel. A Galp avança com projetos de hidrogénio verde alimentados por solar. Estas grandes empresas conseguem contornar o sistema através de acordos bilaterais, comprando energia diretamente aos produtores a preços fixos abaixo do mercado.
Para o cidadão comum, as opções são mais limitadas. Os painéis domésticos exigem investimentos entre 5.000 e 15.000 euros, valores proibitivos para muitas famílias. Os programas de apoio governamentais têm listas de espera que se estendem por anos. E quando finalmente se instala um sistema, a burocracia para vender o excedente à rede é tão complexa que muitos desistem.
O armazenamento de energia surge como peça fundamental do puzzle. As baterias caseiras ainda são caras, mas os preços caíram 40% desde 2020. A EDP instalou o primeiro sistema de baterias em larga escala no Algarve, capaz de armazenar energia solar para usar à noite. Tecnologias como esta poderiam resolver o problema da intermitência da energia solar, mas requerem investimentos massivos.
Enquanto isso, os fundos de investimento compram parques solares como se fossem ouro. O retorno do investimento atinge os 8-10% anuais, atraindo capital de todo o mundo. "Portugal tem mais horas de sol que a Alemanha, onde o setor solar é maduro. É uma oportunidade única", explica um gestor de um fundo espanhol que adquiriu três centrais no Alentejo.
Os agricultores descobriram uma nova cultura: a energia. Em Ferreira do Alentejo, João Pereira aluga parte da sua herdade para painéis solares. "Em cinco anos, ganhei mais com o sol do que em vinte com o trigo", conta. Esta agrossivoltáica permite conciliar produção agrícola com energética, mas especialistas alertam para o risco de especulação fundiária.
O governo prepara novo leilão solar para 2024, com regras que privilegiam projetos com armazenamento e localizados longe de zonas sensíveis. Mas os críticos apontam que sem reformas profundas no mercado elétrico, os portugueses continuarão a pagar preços elevados por uma energia que o seu país produz em abundância e a baixo custo.
O paradoxo português reflete um desafio europeu: como garantir que a revolução renovável beneficia todos os cidadãos, não apenas os investidores? Enquanto não se resolver esta equação, Portugal continuará a ser um caso de sucesso estatístico que não se traduz no dia a dia das famílias.
Nos últimos três anos, Portugal multiplicou por cinco a sua capacidade solar instalada, ultrapassando os 3,5 GW no final de 2023. Os leilões solares atraíram gigantes internacionais que investiram milhares de milhões, transformando terrenos áridos em centrais energéticas. O governo celebra estes números como prova do sucesso da transição energética, mas os especialistas alertam para um desfasamento entre a produção e o consumo.
O problema reside no mercado grossista. A eletricidade produzida a custos baixíssimos nos parques solares é vendida no mercado ibérico MIBEL ao mesmo preço que a gerada por centrais a gás, devido ao mecanismo de formação de preços marginalista. Enquanto o megawatt-hora solar custa menos de 30 euros a produzir, os consumidores pagam frequentemente acima dos 100 euros, porque o preço final é ditado pela fonte mais cara necessária para cobrir a procura.
As comunidades energéticas emergem como alternativa promissora, mas esbarram na burocracia. Em Évora, um grupo de 50 famílias espera há 18 meses pela licença para partilhar a energia dos seus painéis. "Temos o sol, temos a tecnologia, temos o dinheiro, mas não temos autorização", desabafa Maria Santos, professora reformada que investiu as suas poupanças no projeto.
A indústria pesada portuguesa já percebeu o potencial. A Navigator instalou a maior central solar privada do país para alimentar a sua fábrica de papel. A Galp avança com projetos de hidrogénio verde alimentados por solar. Estas grandes empresas conseguem contornar o sistema através de acordos bilaterais, comprando energia diretamente aos produtores a preços fixos abaixo do mercado.
Para o cidadão comum, as opções são mais limitadas. Os painéis domésticos exigem investimentos entre 5.000 e 15.000 euros, valores proibitivos para muitas famílias. Os programas de apoio governamentais têm listas de espera que se estendem por anos. E quando finalmente se instala um sistema, a burocracia para vender o excedente à rede é tão complexa que muitos desistem.
O armazenamento de energia surge como peça fundamental do puzzle. As baterias caseiras ainda são caras, mas os preços caíram 40% desde 2020. A EDP instalou o primeiro sistema de baterias em larga escala no Algarve, capaz de armazenar energia solar para usar à noite. Tecnologias como esta poderiam resolver o problema da intermitência da energia solar, mas requerem investimentos massivos.
Enquanto isso, os fundos de investimento compram parques solares como se fossem ouro. O retorno do investimento atinge os 8-10% anuais, atraindo capital de todo o mundo. "Portugal tem mais horas de sol que a Alemanha, onde o setor solar é maduro. É uma oportunidade única", explica um gestor de um fundo espanhol que adquiriu três centrais no Alentejo.
Os agricultores descobriram uma nova cultura: a energia. Em Ferreira do Alentejo, João Pereira aluga parte da sua herdade para painéis solares. "Em cinco anos, ganhei mais com o sol do que em vinte com o trigo", conta. Esta agrossivoltáica permite conciliar produção agrícola com energética, mas especialistas alertam para o risco de especulação fundiária.
O governo prepara novo leilão solar para 2024, com regras que privilegiam projetos com armazenamento e localizados longe de zonas sensíveis. Mas os críticos apontam que sem reformas profundas no mercado elétrico, os portugueses continuarão a pagar preços elevados por uma energia que o seu país produz em abundância e a baixo custo.
O paradoxo português reflete um desafio europeu: como garantir que a revolução renovável beneficia todos os cidadãos, não apenas os investidores? Enquanto não se resolver esta equação, Portugal continuará a ser um caso de sucesso estatístico que não se traduz no dia a dia das famílias.