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O paradoxo solar: Portugal brilha no ranking europeu enquanto famílias continuam às escuras

Enquanto os relatórios europeus celebram Portugal como um dos campeões da energia solar na Europa, uma realidade mais complexa e menos brilhante esconde-se por trás dos números oficiais. O país atingiu no ano passado uma capacidade instalada recorde de 2,5 GW em energia fotovoltaica, colocando-nos no pódio dos países com maior crescimento solar per capita. Mas esta conquista técnica esconde uma divisão profunda: de um lado, os grandes parques solares que alimentam a rede nacional; do outro, milhares de portugueses que continuam à espera de ver a luz do sol chegar às suas tomadas.

A investigação do Observador revela que, apesar do boom solar, mais de 40% dos projetos de autoconsumo apresentados no último ano enfrentam atrasos burocráticos superiores a seis meses. "É como ter o sol à porta e não poder abrir a janela", desabafa Maria João Silva, professora do Porto que aguarda há oito meses a aprovação da sua instalação doméstica. O seu caso não é isolado: a lentidão dos municípios e a complexidade dos processos estão a criar um efeito travão que contradiz o discurso oficial sobre a transição energética.

O Expresso documentou como os grandes grupos económicos estão a dominar o leilão solar, com investimentos que ultrapassam os 600 milhões de euros em projetos de grande escala. Enquanto isso, o cidadão comum enfrenta uma selva de requisitos técnicos, fiscais e administrativos que transformam o sonho da independência energética num pesadelo burocrático. A associação Zero alerta para o risco de criarmos "dois Portugais energéticos": um para quem pode investir e outro para quem fica dependente dos preços voláteis do mercado.

O Jornal de Negócios descobriu que os custos de instalação para particulares caíram 30% nos últimos três anos, tornando o investimento mais acessível do que nunca. No entanto, o desconhecimento sobre os benefícios fiscais e os mecanismos de apoio mantém muitas famílias afastadas da revolução solar. "As pessoas não sabem que podem deduzir 30% do investimento no IRS ou que existem linhas de crédito bonificadas específicas para energias renováveis", explica Carlos Mendes, especialista em eficiência energética.

A ECO noticiou recentemente o caso paradigmático de uma comunidade de energia em Alentejo que está a revolucionar o acesso à energia solar na região. Através de um modelo cooperativo, 120 famílias partilham os custos e benefícios de uma central fotovoltaica, reduzindo as suas faturas de energia em mais de 60%. Este modelo inovador, já comum em países como a Alemanha e a Dinamarca, começa agora a ganhar raízes em Portugal, mas enfrenta obstáculos regulatórios que limitam o seu potencial.

O Dinheiro Vivo analisou os números e concluiu que, se todos os projetos de autoconsumo atualmente em espera fossem aprovados, Portugal poderia adicionar mais 150 MW à sua capacidade solar – suficiente para abastecer uma cidade do tamanho de Coimbra. Esta energia desperdiçada representa não apenas um custo ambiental, mas também económico: as famílias continuam a pagar preços elevados pela eletricidade quando poderiam estar a produzir a sua própria energia a custo zero.

O paradoxo torna-se ainda mais evidente quando analisamos os dados do Público sobre a distribuição geográfica dos projetos aprovados. Enquanto as regiões do Alentejo e Algarve concentram a maioria das grandes centrais solares, as áreas urbanas – onde vive a maioria da população – apresentam taxas de penetração do autoconsumo significativamente mais baixas. Lisboa e Porto, as duas maiores cidades do país, têm menos de 5% dos edifícios residenciais com painéis solares, um contraste gritante com países como a Holanda, onde esta taxa ultrapassa os 20%.

Os especialistas contactados pelo Observador apontam três medidas urgentes: simplificação radical dos processos de licenciamento, criação de um balcão único para o autoconsumo e campanhas de informação massivas dirigidas aos cidadãos. "Estamos a perder uma oportunidade histórica de democratizar o acesso à energia solar", alerta a investigadora Sofia Ramalho, do Laboratório Nacional de Energia e Geologia. "O sol é de todos, mas os benefícios ainda estão concentrados em poucas mãos."

Enquanto o governo prepara o novo Plano Nacional Energia e Clima 2030, a sociedade civil exige que a equidade no acesso às renováveis seja colocada no centro da estratégia. As associações de consumidores propõem a criação de um "direito ao sol" que garanta a todos os portugueses a possibilidade de produzir e consumir a sua própria energia limpa. Afinal, como lembra um velho ditado alentejano, "o sol quando nasce é para todos" – mas na prática, a sua energia ainda não chegou a todos os portugueses.

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