O sol que não aquece: como a burocracia está a estrangular a revolução solar em Portugal
Há uma contradição gritante no panorama energético português. Enquanto o governo celebra recordes de produção solar e a imprensa internacional nos aponta como exemplo, há uma realidade subterrânea que poucos ousam contar. A verdade é que a revolução solar está a ser travada por um labirinto burocrático que transforma projetos de meses em odisseias de anos.
Nas redações dos principais jornais económicos, as histórias repetem-se com uma monotonia desanimadora. Um agricultor do Alentejo que espera há 18 meses por uma licença para instalar painéis na sua propriedade. Uma pequena empresa de Braga que desistiu do investimento depois de três anos a saltar entre câmaras municipais, direções regionais e entidades reguladoras. São casos que não chegam às estatísticas oficiais, mas que pintam um retrato muito diferente do "sucesso solar" que nos vendem.
O problema começa na fragmentação das competências. Cada autarquia interpreta as regras à sua maneira, criando um mosaico de exigências que muda de concelho para concelho. Enquanto em alguns municípios o processo é relativamente ágil, noutros transforma-se numa via-sacra de pareceres, estudos complementares e pedidos de informação que se arrastam indefinidamente.
Mas a burocracia não é o único obstáculo. A rede elétrica nacional, desenhada para um modelo centralizado de produção, mostra-se cada vez mais inadequada para a realidade descentralizada da energia solar. Em zonas com forte penetração de painéis fotovoltaicos, já se registam situações de congestionamento na rede que obrigam a cortes na produção. É o paradoxo do sucesso: quanto mais solar temos, mais problemas criamos ao sistema que deveria acolhê-lo.
Os grandes projetos industriais conseguem, muitas vezes, navegar melhor estas águas turbulentas. Têm equipas jurídicas especializadas, contactos políticos e recursos para aguentar processos longos. Mas para o cidadão comum, para a pequena empresa ou para a cooperativa local, o caminho está semeado de armadilhas. A democratização da energia, tão apregoada nos discursos políticos, esbarra numa realidade institucional que privilegia os grandes players.
Há também uma questão de transparência que merece escrutínio. Os prazos anunciados oficialmente raramente correspondem à experiência real dos promotores. Um processo que deveria demorar seis meses alonga-se frequentemente para além do ano, sem que haja mecanismos eficazes de reclamação ou compensação. O silêncio administrativo, em vez de exceção, tornou-se regra em muitos serviços.
A situação é particularmente grave nas áreas rurais, onde a energia solar poderia ser um motor de desenvolvimento. Em vez disso, transformou-se num pesadelo burocrático que afasta investidores e desanima proprietários. As associações do setor falam em "perda de oportunidades históricas" enquanto esperamos por licenças que nunca chegam.
Curiosamente, este labirinto regulatório contrasta com a simplicidade técnica da energia solar. Instalar painéis é hoje um processo relativamente simples e rápido. A tecnologia evoluiu, os preços caíram, o know-how está disponível. Mas entre a vontade do cidadão e a realização do projeto interpõe-se uma barreira institucional que parece crescer na mesma proporção em que a tecnologia se simplifica.
Há sinais de mudança, é verdade. Alguns municípios começam a criar balcões únicos para licenciamento energético. A Comissão Europeia pressiona por maior harmonização dos procedimentos. Mas o ritmo é lento, demasiado lento para a urgência climática que enfrentamos.
Enquanto isso, continuamos a importar combustíveis fósseis a preços exorbitantes, a subsidiar energias poluentes e a desperdiçar o nosso maior recurso natural: o sol. A ironia é amarga. Temos uma das melhores irradiações solares da Europa, uma indústria nacional competente, vontade popular e objetivos climáticos ambiciosos. Tudo o que nos falta é desatar os nós burocráticos que nos impedem de aproveitar a luz que nos sobra.
O desafio não é técnico, nem económico, nem mesmo político no sentido mais amplo. É um desafio de eficiência administrativa, de simplificação de processos, de sentido de serviço público. Enquanto não enfrentarmos esta realidade incómoda, a revolução solar portuguesa continuará a ser mais retórica do que realidade, mais estatística do que experiência concreta na vida das pessoas.
Nas redações dos principais jornais económicos, as histórias repetem-se com uma monotonia desanimadora. Um agricultor do Alentejo que espera há 18 meses por uma licença para instalar painéis na sua propriedade. Uma pequena empresa de Braga que desistiu do investimento depois de três anos a saltar entre câmaras municipais, direções regionais e entidades reguladoras. São casos que não chegam às estatísticas oficiais, mas que pintam um retrato muito diferente do "sucesso solar" que nos vendem.
O problema começa na fragmentação das competências. Cada autarquia interpreta as regras à sua maneira, criando um mosaico de exigências que muda de concelho para concelho. Enquanto em alguns municípios o processo é relativamente ágil, noutros transforma-se numa via-sacra de pareceres, estudos complementares e pedidos de informação que se arrastam indefinidamente.
Mas a burocracia não é o único obstáculo. A rede elétrica nacional, desenhada para um modelo centralizado de produção, mostra-se cada vez mais inadequada para a realidade descentralizada da energia solar. Em zonas com forte penetração de painéis fotovoltaicos, já se registam situações de congestionamento na rede que obrigam a cortes na produção. É o paradoxo do sucesso: quanto mais solar temos, mais problemas criamos ao sistema que deveria acolhê-lo.
Os grandes projetos industriais conseguem, muitas vezes, navegar melhor estas águas turbulentas. Têm equipas jurídicas especializadas, contactos políticos e recursos para aguentar processos longos. Mas para o cidadão comum, para a pequena empresa ou para a cooperativa local, o caminho está semeado de armadilhas. A democratização da energia, tão apregoada nos discursos políticos, esbarra numa realidade institucional que privilegia os grandes players.
Há também uma questão de transparência que merece escrutínio. Os prazos anunciados oficialmente raramente correspondem à experiência real dos promotores. Um processo que deveria demorar seis meses alonga-se frequentemente para além do ano, sem que haja mecanismos eficazes de reclamação ou compensação. O silêncio administrativo, em vez de exceção, tornou-se regra em muitos serviços.
A situação é particularmente grave nas áreas rurais, onde a energia solar poderia ser um motor de desenvolvimento. Em vez disso, transformou-se num pesadelo burocrático que afasta investidores e desanima proprietários. As associações do setor falam em "perda de oportunidades históricas" enquanto esperamos por licenças que nunca chegam.
Curiosamente, este labirinto regulatório contrasta com a simplicidade técnica da energia solar. Instalar painéis é hoje um processo relativamente simples e rápido. A tecnologia evoluiu, os preços caíram, o know-how está disponível. Mas entre a vontade do cidadão e a realização do projeto interpõe-se uma barreira institucional que parece crescer na mesma proporção em que a tecnologia se simplifica.
Há sinais de mudança, é verdade. Alguns municípios começam a criar balcões únicos para licenciamento energético. A Comissão Europeia pressiona por maior harmonização dos procedimentos. Mas o ritmo é lento, demasiado lento para a urgência climática que enfrentamos.
Enquanto isso, continuamos a importar combustíveis fósseis a preços exorbitantes, a subsidiar energias poluentes e a desperdiçar o nosso maior recurso natural: o sol. A ironia é amarga. Temos uma das melhores irradiações solares da Europa, uma indústria nacional competente, vontade popular e objetivos climáticos ambiciosos. Tudo o que nos falta é desatar os nós burocráticos que nos impedem de aproveitar a luz que nos sobra.
O desafio não é técnico, nem económico, nem mesmo político no sentido mais amplo. É um desafio de eficiência administrativa, de simplificação de processos, de sentido de serviço público. Enquanto não enfrentarmos esta realidade incómoda, a revolução solar portuguesa continuará a ser mais retórica do que realidade, mais estatística do que experiência concreta na vida das pessoas.