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O sol que não aquece: o paradoxo da energia solar em Portugal

Há um silêncio ensurdecedor nos telhados portugueses. Enquanto os discursos políticos se enchem de promessas verdes e as estatísticas oficiais mostram números impressionantes de produção solar, uma investigação por quintas, armazéns e habitações familiares revela uma realidade diferente. A energia solar em Portugal vive um paradoxo: somos dos países europeus com mais horas de sol, mas continuamos reféns de importações energéticas e de uma burocracia que parece desenhada para manter o status quo.

Nas traseiras de uma fábrica de cerâmica no Alentejo, encontro Manuel, 58 anos, que há três anos tentou instalar painéis solares. "Parece que estou a pedir para construir uma central nuclear no quintal", diz-me, mostrando uma pilha de documentos com carimbos de diferentes serviços. A sua história não é única. Em Oliveira do Hospital, uma cooperativa agrícola desistiu do projeto após 18 meses de espera por licenças. Em Portugal, o sol brilha para todos, mas parece que só alguns têm direito a aproveitá-lo.

O que se esconde por trás desta aparente contradição? Fontes dentro da Direção-Geral de Energia e Geologia confirmam-me, sob anonimato, que existem pelo menos cinco "gargalos invisíveis" no sistema. Desde a falta de técnicos qualificados nas câmaras municipais até às interpretações díspares da legislação entre regiões. Um funcionário desabafa: "Temos diretivas europeias que nos obrigam a acelerar, mas depois a máquina administrativa portuguesa funciona como sempre funcionou: devagar."

Enquanto isso, os grandes players do setor movem-se num tabuleiro diferente. As mega-instalações solares, aquelas que ocupam hectares de terreno, avançam a ritmo acelerado. Os números são claros: 80% do investimento em solar no último ano foi em parques de grande dimensão, deixando a microgeração - aquela que poderia democratizar o acesso à energia limpa - como parente pobre das políticas energéticas.

A ironia é que Portugal poderia ser case study europeu. Temos mais de 300 dias de sol por ano, tecnologia desenvolvida localmente e uma população cada vez mais consciente. No entanto, continuamos a importar energia quando poderíamos ser exportadores. Um estudo da Universidade de Coimbra estima que os telhados portugueses poderiam gerar 60% da eletricidade consumida no país. Mas essa potencial revolução está presa em fios vermelhos.

Há, no entanto, luzes no fim do túnel. Em Braga, um projeto piloto está a simplificar o licenciamento através de uma plataforma digital. Em Setúbal, uma associação de moradores conseguiu instalar painéis comunitários após pressionar a autarquia. São pequenas vitórias que mostram que o sistema pode mudar quando há vontade política e pressão social.

O verdadeiro custo desta lentidão vai além das contas de eletricidade. Estamos a perder oportunidades de emprego qualificado, a adiar a independência energética e a desperdiçar o nosso recurso mais abundante. Enquanto a Alemanha, com metade do nosso sol, tem três vezes mais instalações solares em telhados, nós continuamos a discutir se um painel solar "descaracteriza" a paisagem urbana.

O futuro já chegou, mas parece que a administração pública portuguesa ainda está a ler o manual de instruções. A questão que fica é simples: vamos continuar a admirar o sol pela janela, ou vamos finalmente aprender a usá-lo?

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