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O sol que não nasce para todos: os obstáculos à democratização da energia solar em Portugal

Há um sol que brilha para todos em Portugal, mas a sua energia continua a ser um privilégio de alguns. Enquanto o governo anuncia metas ambiciosas para as renováveis e as grandes empresas investem milhões em parques solares, milhares de portugueses continuam à espera de ver a luz ao fundo do túnel da transição energética.

Os números oficiais pintam um quadro otimista: Portugal atingiu em 2023 a marca histórica de 2 gigawatts de capacidade solar instalada. Mas estes dados escondem uma realidade mais complexa. Nas zonas rurais do interior, onde o sol abunda durante todo o ano, muitas famílias ainda não conseguem aceder aos benefícios da energia solar devido a barreiras burocráticas e custos proibitivos.

A burocracia tornou-se no maior inimigo da transição energética. Um estudo recente da APREN revela que o tempo médio para obter uma licença para uma instalação doméstica varia entre 6 a 12 meses, dependendo do município. Em alguns concelhos do norte do país, os processos chegam a demorar mais de 18 meses, desencorajando mesmo os mais motivados.

Enquanto isso, o mercado paralelo de instalações não licenciadas cresce a um ritmo alarmante. Técnicos que preferem manter o anonimato confessam que recebem dezenas de pedidos mensais para instalações "à margem da lei". "As pessoas não querem esperar um ano para começar a poupar na fatura da luz", explica um instalador do Alentejo.

As comunidades energéticas, apesar de serem apontadas como a solução para democratizar o acesso, enfrentam desafios ainda maiores. O primeiro projeto comunitário aprovado em Portugal demorou quase três anos a ver a luz do dia. Os entraves vão desde a complexidade jurídica até à falta de financiamento adequado para projetos de pequena escala.

O financiamento continua a ser o calcanhar de Aquiles. Os bancos portugueses, tradicionalmente conservadores no financiamento a energias renováveis, mantêm exigências que muitas famílias de rendimentos médios não conseguem cumprir. As taxas de juro para empréstimos "verdes" variam entre 4% e 7%, valores que tornam o investimento pouco atrativo para quem não tem capacidade financeira.

A situação é particularmente dramática nas zonas rurais, onde a população envelhecida e com rendimentos mais baixos vê a energia solar como um luxo inacessível. "Os meus filhos queriam instalar painéis na minha casa, mas não temos 8 mil euros para avançar", conta Maria do Céu, reformada de 72 anos de Idanha-a-Nova.

Enquanto as famílias lutam com estas dificuldades, as grandes empresas aproveitam os incentivos fiscais e os leilões solares. Os últimos dados da DGEG mostram que 80% da capacidade solar instalada pertence a apenas 15 grupos empresariais. Esta concentração levanta questões sobre quem está realmente a beneficiar da transição energética.

Os especialistas alertam para o risco de criarmos duas velocidades na transição energética: uma para quem pode pagar e outra para quem fica para trás. "Se não resolvermos as questões de acesso e financiamento, estaremos a criar uma nova forma de desigualdade social", avisa Pedro Nunes, investigador em políticas energéticas.

As soluções passam por simplificar drasticamente os processos burocráticos, criar linhas de financiamento acessíveis e desenvolver programas específicos para famílias carenciadas. Alguns municípios já começaram a tomar a iniciativa, criando programas de apoio local que complementam os incentivos nacionais.

No fundo, a questão que se coloca é simples: queremos uma transição energética apenas para alguns ou para todos? O sol português tem potencial para iluminar todas as casas, mas precisamos de políticas que garantam que essa luz chega realmente a todos os portugueses, sem exceção.

O futuro da energia solar em Portugal dependerá da nossa capacidade de tornar esta tecnologia verdadeiramente democrática. Caso contrário, corremos o risco de criar um país onde o sol brilha para todos, mas a sua energia só chega a alguns.

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