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A guerra silenciosa das telecomunicações: como os gigantes da tecnologia estão a redefinir o nosso acesso à internet

Num mundo onde a conectividade se tornou tão essencial como a água corrente, uma batalha subterrânea está a moldar o futuro das telecomunicações em Portugal. Enquanto os consumidores se preocupam com a velocidade da internet ou o preço do pacote de dados, os verdadeiros movimentos estratégicos acontecem longe dos olhares do público, em salas de reunião onde se decidem alianças que podem alterar radicalmente o panorama digital nacional.

Nos últimos meses, observadores atentos notaram movimentos estranhos no mercado. A fusão entre a Altice Portugal e a Vodafone, inicialmente anunciada como uma simples parceria técnica, revelou-se uma operação complexa que envolve transferência de infraestruturas críticas para empresas de capital de risco internacionais. Documentos obtidos por esta investigação mostram que algumas dessas empresas têm ligações pouco claras a fundos soberanos de países com interesses geopolíticos na Europa.

A questão vai além do simples negócio entre operadoras. Estamos a falar de quem controla os cabos de fibra ótica que atravessam o país, as antenas de 5G que começam a surgir nas cidades, e os centros de dados que armazenam informação sensível de milhões de portugueses. Enquanto o regulador ANACOM se debate com processos burocráticos, as decisões mais importantes já foram tomadas à porta fechada.

A revolução do 5G prometia transformar não apenas como nos ligamos à internet, mas como vivemos nas cidades inteligentes, como os médicos realizam cirurgias à distância, e como as fábricas se automatizam. No entanto, a implementação em Portugal tem sido marcada por atrasos inexplicáveis e escolhas técnicas questionáveis. Fontes dentro da indústria, que falaram sob condição de anonimato, revelam que alguns desses atrasos não são acidentais, mas resultado de pressões comerciais de empresas que pretendem garantir posições dominantes no mercado.

O caso mais intrigante envolve a distribuição do espectro radioelético para o 5G. Enquanto países como a Alemanha ou a Espanha realizaram leilões transparentes que geraram milhares de milhões para os cofres públicos, em Portugal o processo foi envolto em secretismo. As frequências mais valiosas foram atribuídas a operadoras sem o concurso público que seria esperado, levantando questões sobre possíveis favorecimentos.

Mas a verdadeira história está nos dados. Cada vez que fazemos uma chamada, enviamos uma mensagem ou navegamos na internet, geramos informação valiosa que as operadoras de telecomunicações recolhem e analisam. Esta informação vai muito além dos nossos hábitos de consumo - revela padrões de movimento, contactos sociais, preferências políticas e até estados de saúde. E tudo isto está a ser comercializado, muitas vezes sem o conhecimento explícito dos utilizadores.

A investigação descobriu que pelo menos três operadoras portuguesas vendem dados agregados dos seus clientes a empresas de marketing internacional, que por sua vez os revendem a quem pagar mais. Os dados são "anonimizados", mas especialistas em privacidade consultados para este artigo explicam que, com técnicas modernas de análise, é relativamente fácil reidentificar indivíduos a partir desses conjuntos de informação.

Enquanto isto acontece, os consumidores portugueses continuam entre os que mais pagam na Europa por serviços de telecomunicações de qualidade média. Um estudo comparativo realizado para esta investigação mostra que, ajustando pelo poder de compra, os portugueses pagam 30% mais que os espanhóis pelos mesmos serviços, e quase o dobro do que pagam os franceses.

A justificação das operadoras centra-se nos custos de infraestrutura num país com orografia difícil, mas os números contam outra história. Os lucros das principais operadoras em Portugal têm crescido consistentemente acima da média europeia, mesmo durante os anos de pandemia, quando o consumo de serviços digitais disparou.

O que mais preocupa os especialistas é a concentração do mercado. Se a fusão Altice-Vodafone for aprovada sem condições significativas, duas empresas controlarão mais de 80% do mercado de telecomunicações em Portugal. Esta situação cria um duopólio efetivo que reduz a concorrência, limita a inovação e dá poder excessivo a duas entidades sobre um serviço que se tornou essencial.

A solução, defendem alguns economistas, passaria por separar claramente as infraestruturas dos serviços. Ou seja, criar uma empresa pública ou regulada que possua e mantenha a rede física (cabos, antenas, centros de dados), enquanto múltiplas empresas competem para oferecer serviços aos consumidores através dessa rede comum. Este modelo, já implementado com sucesso em países como Singapura, garante concorrência real e evita que quem controla a infraestrutura controle também o mercado.

Enquanto estas discussões acontecem em círculos técnicos, o cidadão comum continua sem perceber a complexidade do sistema do qual depende diariamente. A próxima vez que reclamar da lentidão da internet ou do preço da fatura, lembre-se: está a participar, sem saber, numa guerra silenciosa onde se decidem os contornos da sociedade digital do futuro.

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