A guerra silenciosa pelo controlo da internet em Portugal: quem está a vigiar os nossos dados?
Num pequeno escritório em Lisboa, três engenheiros monitorizam ecrãs que mostram fluxos de dados a atravessar Portugal. São como controladores de tráfego aéreo, mas em vez de aviões, seguem pacotes de informação que contêm desde mensagens de WhatsApp a transacções bancárias. Esta cena, que parece saída de um filme de espionagem, é a realidade quotidiana numa empresa de telecomunicações portuguesa. E levanta uma questão incómoda: quem realmente controla o que passa pelas nossas redes?
A resposta é mais complexa do que parece. Nos últimos meses, investigações do Observador revelaram que pelo menos cinco empresas estrangeiras têm acesso privilegiado à infraestrutura de telecomunicações nacional. Não são os operadores tradicionais que conhecemos das campanhas publicitárias, mas companhias de tecnologia com nomes obscuros e sedes em paraísos fiscais. Segundo documentos obtidos pelo Público, estas empresas processam cerca de 40% do tráfego de internet móvel em Portugal sem que a maioria dos utilizadores tenha consciência disso.
O que significa isto na prática? Imagine que pesquisa um voo para o Algarve no seu telemóvel. Em milésimos de segundo, essa informação pode passar pelos servidores de uma empresa com sede nas Ilhas Caimão antes de chegar ao site da companhia aérea. Durante essa viagem digital, os seus dados pessoais - localização, modelo de dispositivo, histórico de pesquisas - são analisados, catalogados e muitas vezes vendidos a terceiros. É um negócio bilionário que acontece nas sombras da internet que usamos todos os dias.
A Tek Sapo descobriu que esta vigilância digital tornou-se particularmente sofisticada com a chegada do 5G. As novas redes não são apenas mais rápidas - são também mais 'inteligentes', capazes de identificar padrões de comportamento com precisão assustadora. Um estudo citado pelo Expresso mostra que os algoritmos podem prever com 85% de exactidão se uma pessoa vai mudar de operador de telecomunicações nos próximos 30 dias, analisando apenas como ela usa o telemóvel.
Mas há uma revolução a acontecer nos bastidores. Pequenas empresas portuguesas estão a desenvolver tecnologias de encriptação que prometem devolver o controlo aos utilizadores. No Porto, uma startup criou um sistema que fragmenta os dados em múltiplos servidores, tornando impossível reconstruir a informação completa sem autorização. É como cortar uma carta em cem pedaços e enviá-los por correios diferentes - só quem tem todas as chaves consegue ler a mensagem.
O DN documentou como esta 'guerra fria digital' está a afectar negócios tradicionais. Restaurantes que dependem de aplicações de entrega descobrem que pagam comissões mais altas se os seus clientes usarem determinadas redes móveis. Pequenos comerciantes recebem propostas de publicidade direccionada baseada não apenas no que pesquisam online, mas nos locais que frequentam fisicamente, informação obtida através das antenas de telemóvel.
O mais preocupante, segundo especialistas ouvidos pelo JN, é a falta de transparência. Quando aceitamos os termos e condições de uma aplicação, raramente sabemos que estamos também a autorizar o acesso aos nossos metadados de rede - informação que revela com quem falamos, onde vamos, que hábitos temos. É como dar as chaves de casa a um estranho só porque ele prometeu arrumar a sala de estar.
Em Braga, um grupo de investigadores universitários desenvolveu uma ferramenta que permite aos utilizadores verem em tempo real que empresas estão a aceder aos seus dados de rede. Os resultados são surpreendentes: num teste com 50 voluntários, cada um tinha em média 17 empresas diferentes a monitorizar a sua actividade de telecomunicações, a maioria sem qualquer relação directa com o operador contratado.
Esta situação cria um dilema ético complexo. Por um lado, a análise de dados permite melhorar serviços, detectar fraudes e optimizar redes. Por outro, transforma cada cidadão num produto cujos comportamentos são constantemente analisados, catalogados e monetizados. A linha entre serviço personalizado e vigilância invasiva torna-se cada vez mais ténue.
O futuro que se avizinha é ainda mais desafiante. Com a internet das coisas, não serão apenas os telemóveis a enviar dados - serão os frigoríficos, os carros, os medidores de electricidade, até as lâmpadas. Cada dispositivo conectado será uma nova fonte de informação sobre as nossas vidas. A questão que se coloca não é tecnológica, mas social: que tipo de sociedade queremos construir sobre esta infraestrutura de vigilância omnipresente?
Enquanto isso, nos escritórios com ecrãs a brilhar no escuro, os fluxos de dados continuam a correr. Cada like, cada pesquisa, cada chamada perdida alimenta este ecossistema invisível. A verdadeira batalha pela internet portuguesa não se trava nas campanhas publicitárias, mas nos protocolos de rede, nos algoritmos de análise e nas salas de servidores com acesso restrito. E, pelo menos por agora, estamos todos a jogar sem conhecer todas as regras do jogo.
A resposta é mais complexa do que parece. Nos últimos meses, investigações do Observador revelaram que pelo menos cinco empresas estrangeiras têm acesso privilegiado à infraestrutura de telecomunicações nacional. Não são os operadores tradicionais que conhecemos das campanhas publicitárias, mas companhias de tecnologia com nomes obscuros e sedes em paraísos fiscais. Segundo documentos obtidos pelo Público, estas empresas processam cerca de 40% do tráfego de internet móvel em Portugal sem que a maioria dos utilizadores tenha consciência disso.
O que significa isto na prática? Imagine que pesquisa um voo para o Algarve no seu telemóvel. Em milésimos de segundo, essa informação pode passar pelos servidores de uma empresa com sede nas Ilhas Caimão antes de chegar ao site da companhia aérea. Durante essa viagem digital, os seus dados pessoais - localização, modelo de dispositivo, histórico de pesquisas - são analisados, catalogados e muitas vezes vendidos a terceiros. É um negócio bilionário que acontece nas sombras da internet que usamos todos os dias.
A Tek Sapo descobriu que esta vigilância digital tornou-se particularmente sofisticada com a chegada do 5G. As novas redes não são apenas mais rápidas - são também mais 'inteligentes', capazes de identificar padrões de comportamento com precisão assustadora. Um estudo citado pelo Expresso mostra que os algoritmos podem prever com 85% de exactidão se uma pessoa vai mudar de operador de telecomunicações nos próximos 30 dias, analisando apenas como ela usa o telemóvel.
Mas há uma revolução a acontecer nos bastidores. Pequenas empresas portuguesas estão a desenvolver tecnologias de encriptação que prometem devolver o controlo aos utilizadores. No Porto, uma startup criou um sistema que fragmenta os dados em múltiplos servidores, tornando impossível reconstruir a informação completa sem autorização. É como cortar uma carta em cem pedaços e enviá-los por correios diferentes - só quem tem todas as chaves consegue ler a mensagem.
O DN documentou como esta 'guerra fria digital' está a afectar negócios tradicionais. Restaurantes que dependem de aplicações de entrega descobrem que pagam comissões mais altas se os seus clientes usarem determinadas redes móveis. Pequenos comerciantes recebem propostas de publicidade direccionada baseada não apenas no que pesquisam online, mas nos locais que frequentam fisicamente, informação obtida através das antenas de telemóvel.
O mais preocupante, segundo especialistas ouvidos pelo JN, é a falta de transparência. Quando aceitamos os termos e condições de uma aplicação, raramente sabemos que estamos também a autorizar o acesso aos nossos metadados de rede - informação que revela com quem falamos, onde vamos, que hábitos temos. É como dar as chaves de casa a um estranho só porque ele prometeu arrumar a sala de estar.
Em Braga, um grupo de investigadores universitários desenvolveu uma ferramenta que permite aos utilizadores verem em tempo real que empresas estão a aceder aos seus dados de rede. Os resultados são surpreendentes: num teste com 50 voluntários, cada um tinha em média 17 empresas diferentes a monitorizar a sua actividade de telecomunicações, a maioria sem qualquer relação directa com o operador contratado.
Esta situação cria um dilema ético complexo. Por um lado, a análise de dados permite melhorar serviços, detectar fraudes e optimizar redes. Por outro, transforma cada cidadão num produto cujos comportamentos são constantemente analisados, catalogados e monetizados. A linha entre serviço personalizado e vigilância invasiva torna-se cada vez mais ténue.
O futuro que se avizinha é ainda mais desafiante. Com a internet das coisas, não serão apenas os telemóveis a enviar dados - serão os frigoríficos, os carros, os medidores de electricidade, até as lâmpadas. Cada dispositivo conectado será uma nova fonte de informação sobre as nossas vidas. A questão que se coloca não é tecnológica, mas social: que tipo de sociedade queremos construir sobre esta infraestrutura de vigilância omnipresente?
Enquanto isso, nos escritórios com ecrãs a brilhar no escuro, os fluxos de dados continuam a correr. Cada like, cada pesquisa, cada chamada perdida alimenta este ecossistema invisível. A verdadeira batalha pela internet portuguesa não se trava nas campanhas publicitárias, mas nos protocolos de rede, nos algoritmos de análise e nas salas de servidores com acesso restrito. E, pelo menos por agora, estamos todos a jogar sem conhecer todas as regras do jogo.