Os números saltam das páginas dos jornais todos os anos: Portugal subiu no PISA, as escolas têm melhores resultados, os alunos estão mais preparados. Mas entre as estatísticas oficiais e a realidade das salas de aula existe um abismo que poucos se atrevem a explorar. Esta investigação mergulha nos dados que não aparecem nos relatórios do Ministério da Educação e revela histórias que os rankings nunca contarão.
Nas escolas públicas do interior, os professores contam-me histórias que desafiam o otimismo oficial. "Temos turmas com 28 alunos, mas apenas 15 cadeiras", confessa-me uma docente do Alentejo que pede anonimato. "Os miúdos sentam-se no chão ou trazem cadeiras de casa. Como é que isto não aparece nas estatísticas?" A pergunta ecoa pelos corredores vazios de uma escola onde o aquecimento falha três meses por ano e os computadores são peças de museu. Enquanto Lisboa celebra os resultados do PISA, aqui celebram-se dias em que a água quente funciona.
A obsessão pelos rankings criou um monstro que ninguém quer enfrentar. Visitei escolas onde os diretores admitem, em voz baixa, que "preparam" os alunos especificamente para os testes internacionais. "É como treinar para os Jogos Olímpicos", explica um diretor do Porto. "Durante meses, só fazemos exercícios do tipo PISA. O resto do currículo fica para trás." O resultado? Alunos que brilham nos testes mas não sabem interpretar um texto simples ou resolver um problema do quotidiano.
A tecnologia prometia revolucionar as salas de aula, mas transformou-se num novo fosso entre ricos e pobres. Nas escolas privadas de Lisboa, os alunos programam robôs e criam aplicações. Nas públicas da periferia, partilham um tablet entre cinco e a internet falha mais vezes do que funciona. "Chamam-lhe inclusão digital", diz-me um professor de Setúbal, "mas é exclusão disfarçada de modernidade."
Os professores estão exaustos, não apenas pelo trabalho, mas pela burocracia que os consome. Um docente do ensino secundário mostra-me a sua pasta: "São 32 formulários diferentes só para este período. Avaliações, planificações, relatórios, projetos. Passo mais tempo a preencher papéis do que a preparar aulas." O sistema criou uma geração de professores-administradivos que mal têm tempo para o que realmente importa: ensinar.
A inclusão tornou-se num slogan vazio em muitas escolas. "Temos alunos com necessidades especiais sem qualquer apoio", conta-me uma educadora do Norte. "Dizem-nos para incluí-los, mas não nos dão ferramentas. É como pedir a um médico que opere sem bisturi." Os casos multiplicam-se: crianças autistas em turmas superlotadas, disléxicos sem materiais adaptados, superdotados entediados em salas que não os desafiam.
A formação contínua dos professores é outra farsa bem guardada. "São cursos de 25 horas sobre temas que nada têm a ver com a nossa realidade", desabafa um professor com 20 anos de carreira. "Enquanto isso, não há formação sobre como lidar com a violência nas escolas ou com a saúde mental dos adolescentes." O resultado é um corpo docente que se sente abandonado, desatualizado e desmotivado.
As famílias ricas descobriram uma saída: os explicadores. Em Lisboa e Porto, o mercado das explicações movimenta milhões. "Os meus alunos têm explicadores desde o 5º ano", conta-me uma professora de Matemática. "Na prática, o sistema público está a ser substituído por um sistema privado paralelo. Quem não pode pagar fica para trás."
A criatividade morre à medida que os testes padronizados dominam o currículo. Visitei uma escola onde eliminaram as aulas de Educação Visual para ter mais tempo para preparar o PISA. "Arte não dá pontos no ranking", justificou o diretor. O mesmo acontece com a Filosofia, a Música, o Teatro. Estamos a criar gerações de técnicos especializados em escolher a opção certa em testes de múltipla escolha, mas incapazes de pensar de forma crítica ou criativa.
A solução não está em mais testes ou mais rankings. Está em ouvir os professores que todos os dias enfrentam a realidade das salas de aula. Está em dar autonomia às escolas para adaptarem o ensino às suas comunidades. Está em valorizar o que não se mede: a curiosidade, a empatia, a resiliência.
Enquanto escrevo estas linhas, recebo uma mensagem de uma professora do interior: "Hoje tivemos de cancelar as aulas de Ciências porque não havia água no laboratório. Amanhã será melhor." O otimismo dela contrasta com a realidade que descreve. Talvez aí esteja a verdadeira lição: a educação sobrevive não por causa do sistema, mas apesar dele. Cabe-nos a nós garantir que um dia isso mude.
O que os dados escondem sobre a educação em Portugal: uma investigação além dos rankings