Nos últimos meses, enquanto os principais jornais portugueses se concentravam nas flutuações do mercado segurador tradicional, uma revolução silenciosa está a transformar o setor. As notícias sobre prémios de automóveis e seguros de saúde continuam a dominar as páginas de economia, mas há histórias que estão a escapar aos radares da comunicação social convencional.
Nas redações do Jornal de Negócios e do Expresso, os repórteres mergulham nos balanços das seguradoras, analisando lucros e fusões. No Observador e no Dinheiro Vivo, especialistas debatem a sustentabilidade do sistema. Mas poucos estão a olhar para o lado mais obscuro desta indústria: os novos riscos digitais que estão a surgir num Portugal cada vez mais conectado.
Imagine um cenário: uma pequena empresa no Porto sofre um ataque de ransomware. Os dados dos clientes são sequestrados, as operações param durante dias. O seguro tradicional cobre os danos físicos, mas e a perda de reputação? E o valor dos dados roubados? Esta é apenas uma das lacunas que as seguradoras ainda não cobrem adequadamente, segundo especialistas consultados para esta investigação.
Enquanto o DN e a TSF reportam os aumentos anuais dos prémios, os verdadeiros desafios estão noutro lugar. A digitalização acelerada pela pandemia criou novas vulnerabilidades. Trabalho remoto, comércio eletrónico, criptomoedas - cada avanço tecnológico traz consigo riscos que as apólices tradicionais não anteciparam.
O caso mais flagrante é o dos seguros para empresas de tecnologia. Startups em Lisboa e no Porto desenvolvem soluções inovadoras, mas quando procuram cobertura, deparam-se com produtos desatualizados. "As seguradoras ainda pensam em termos de fábricas e escritórios físicos", confidencia-nos o CEO de uma fintech, sob condição de anonimato. "Não entendem que o nosso maior ativo são linhas de código e algoritmos."
Nos bastidores do setor, há movimentos interessantes. Algumas seguradoras começam a testar produtos para ciber-riscos, mas as coberturas são limitadas e os prémios, proibitivos para a maioria das PMEs. Enquanto isso, os jornais económicos continuam a dar mais espaço aos resultados trimestrais das grandes companhias do que a estas mudanças estruturais.
A Visão e o Sábado abordam ocasionalmente temas de proteção de dados, mas raramente fazem a ponte com o mundo dos seguros. Esta desconexão é perigosa. Num país onde 75% das empresas já sofreram algum tipo de incidente digital, segundo dados da CERT.PT, a falta de produtos adequados deixa o tecido empresarial exposto.
O mais preocupante? Muitos empresários nem sequer sabem que estão desprotegidos. Acreditam que o seguro multirriscos empresarial cobre tudo, quando na realidade as exclusões para incidentes digitais são extensas e pouco claras. "É como ter um seguro contra incêndio que não cobre fogos elétricos", compara uma corretora especializada em riscos tecnológicos.
Nos últimos seis meses, três casos mediáticos de fugas de dados em empresas portuguesas ficaram sem cobertura seguradora. Os prejuízos ultrapassaram os 500 mil euros em cada situação, mas as notícias focaram-se nas falhas de segurança, não nas lacunas dos seguros. Esta é a história que falta contar.
Enquanto nos sites de notícias se discute se os seguros de saúde devem cobrir terapias alternativas, o verdadeiro debate deveria ser sobre como proteger a economia digital portuguesa. As insurtechs - startups de seguros - tentam preencher este vazio, mas enfrentam barreiras regulatórias e ceticismo do mercado.
O futuro já chegou, mas os seguros ainda estão no passado. À medida que carros autónomos começam a circular nas estradas portuguesas e a inteligência artificial transforma indústrias, as questões de responsabilidade tornam-se cada vez mais complexas. Quem é responsável quando um algoritmo de uma empresa portuguesa toma uma decisão errada que causa prejuízos a um cliente internacional?
As respostas não estão nos relatórios anuais das seguradoras nem nas notícias dos jornais económicos. Estão a ser escritas nos laboratórios de inovação, nos gabinetes de advogados especializados em direito digital, e nas reuniões discretas entre reguladores e pioneiros do setor.
Portugal tem a oportunidade de liderar nesta área, com o seu ecossistema tecnológico em crescimento e uma posição geográfica estratégica. Mas primeiro, é preciso que a conversa mude. Em vez de discutir apenas preços e coberturas básicas, é urgente falar sobre como proteger o ativo mais valioso do século XXI: a informação.
Os jornalistas económicos portugueses têm o dever de ir além dos comunicados de imprensa das seguradoras. Devem investigar as lacunas, expor os riscos não cobertos, e pressionar por soluções. Porque quando a próxima grande crise digital acontecer - e acontecerá - não serão os prémios de seguros que estarão em jogo, mas a resiliência da própria economia nacional.
Esta história continua a desenvolver-se, longe dos holofotes da comunicação social tradicional. Enquanto isso, empresas e particulares navegam num mar de incertezas, com falsas sensações de segurança proporcionadas por produtos desatualizados. O despertar pode ser doloroso, mas é inevitável. A questão não é se o sistema de seguros vai mudar, mas quando - e se Portugal estará preparado para essa mudança.
Seguros em Portugal: o que os jornais não contam sobre os novos riscos digitais