Num escritório com vista para o Tejo, um banqueiro sénior confessa, entre cafés: "Há cinco anos, falar de sustentabilidade nas reuniões de crédito era quase um pecado. Hoje, é o primeiro ponto da agenda." Esta mudança de paradigma não é apenas retórica corporativa. Estamos perante uma transformação estrutural que está a redefinir as regras do financiamento em Portugal.
Os números contam uma história fascinante. Segundo dados do Banco de Portugal, o volume de crédito com critérios ambientais, sociais e de governação (ESG) cresceu 47% no último ano. Mas mais interessante do que os valores é a geografia deste movimento. Não se trata apenas de Lisboa e Porto. Em Bragança, uma cooperativa agrícola conseguiu financiamento com juros reduzidos para instalar painéis solares. Em Évora, um hotel histórico renovou-se com empréstimos vinculados à eficiência energética.
O que está a impulsionar esta revolução? A resposta tem várias camadas. Primeiro, a pressão regulatória. A União Europeia estabeleceu metas ambiciosas através do Pacto Ecológico Europeu, e os bancos portugueses sabem que o acesso a financiamento europeu dependerá cada vez mais do seu desempenho ambiental. Segundo, a mudança geracional. Os millennials e a geração Z não querem apenas produtos financeiros; querem valores alinhados com as suas preocupações climáticas.
Mas há um terceiro fator, menos óbvio: a tecnologia. Plataformas de análise de dados estão a permitir aos bancos medir com precisão o impacto ambiental dos projetos que financiam. Já não se trata apenas de boas intenções; há métricas, indicadores, relatórios de carbono. Um gestor de risco de um banco comercial explicou-nos: "Antes, aprovávamos um empréstimo baseado principalmente no fluxo de caixa. Agora, analisamos também a pegada ecológica do projeto. E isso afeta as condições do crédito."
Esta nova abordagem está a criar oportunidades inesperadas. Pequenas e médias empresas que investem em eficiência energética estão a conseguir taxas de juro mais baixas. Startups dedicadas à economia circular encontram portas abertas onde antes havia cepticismo. Até no setor imobiliário, os "prédios verdes" valem mais no mercado e conseguem financiamento mais favorável.
No entanto, nem tudo são rosas. Há desafios significativos. A principal crítica vem dos setores tradicionais, que argumentam que os critérios ESG podem limitar o acesso ao crédito para atividades económicas essenciais. Um empresário do setor dos transformados de tomate confessou-nos: "Precisamos de investir em maquinaria nova, mas os bancos questionam o nosso consumo de água. É como se a sustentabilidade fosse mais importante do que a sobrevivência da empresa."
Outro ponto de tensão é a definição do que é realmente "verde". Existem diferentes taxonomias, certificações, selos. Um projeto considerado sustentável por um banco pode não o ser para outro. Esta falta de padronização cria confusão no mercado e abre espaço para o "greenwashing" – a prática de apresentar produtos como mais ecológicos do que realmente são.
Apesar destes desafios, a tendência parece irreversível. Os maiores bancos portugueses já anunciaram que vão alinhar as suas carteiras de crédito com os objetivos do Acordo de Paris. Isto significa que, progressivamente, vão reduzir o financiamento a atividades com elevadas emissões de carbono e aumentar o apoio a projetos sustentáveis.
O que significa isto para o comum dos portugueses? Primeiro, quem procura crédito habitação pode encontrar condições mais favoráveis se comprar ou renovar para melhorar a eficiência energética. Segundo, os investidores têm cada vez mais opções de produtos financeiros "verdes", desde depósitos a prazo até fundos de investimento. Terceiro, as empresas que não se adaptarem podem enfrentar dificuldades no acesso ao crédito no futuro próximo.
Num café no Chiado, uma consultora financeira resume: "Estamos a assistir à maior redefinição do crédito desde a adesão ao euro. Só que desta vez, não se trata de moedas ou taxas de juro. Trata-se do planeta."
O caminho ainda é longo. Falta transparência, falta educação financeira sobre estes novos produtos, falta equilíbrio entre objetivos ambientais e desenvolvimento económico. Mas uma coisa é certa: o crédito nunca mais será o mesmo. E Portugal, com a sua tradição de inovação financeira e sensibilidade ambiental, pode estar na vanguarda desta transformação.
Nas palavras de um banqueiro reformado que acompanhou meio século de evolução do setor: "Nos anos 80, o grande debate era sobre juros. Nos anos 90, sobre risco. Nos anos 2000, sobre regulação. Agora, é sobre o futuro do planeta. Nunca pensei ver o dia em que a sala de reuniões de um banco discutiria tanto sobre emissões de carbono como sobre lucros."
Esta é a nova realidade. E está a chegar a todas as agências, a todos os balcões, a todas as decisões de crédito. A revolução pode ser silenciosa, mas as suas consequências serão ouvidas por gerações.
A revolução silenciosa do crédito verde: como os bancos estão a reinventar-se para financiar um futuro sustentável