O labirinto dos créditos ao consumo: como os portugueses estão a financiar o seu dia a dia

O labirinto dos créditos ao consumo: como os portugueses estão a financiar o seu dia a dia
Nos últimos meses, os corredores dos supermercados transformaram-se em salas de decisão financeira. Enquanto os carrinhos de compras se enchem de produtos essenciais, muitos portugueses confrontam-se com uma realidade cada vez mais comum: a necessidade de recorrer ao crédito para fazer face às despesas do quotidiano. Esta não é uma história sobre luxos ou caprichos, mas sobre a sobrevivência financeira de famílias que viram o seu poder de compra evaporar-se perante a inflação galopante.

Os números contam uma história preocupante. Segundo dados do Banco de Portugal, o crédito ao consumo registou um crescimento significativo no último trimestre, com milhares de novas operações a serem contratadas mensalmente. Mas o que estes números não revelam é o perfil dos novos devedores: não são apenas jovens a comprar o primeiro carro ou casais a mobilar a casa, são famílias inteiras a usar o crédito como muleta para chegar ao final do mês.

A experiência de Maria, uma assistente administrativa de 42 anos de Lisboa, ilustra esta nova realidade. "Comecei com um crédito para pagar as despesas da escola dos meus filhos", conta, enquanto espera na fila do supermercado. "Depois precisei de outro para o carro avariado, e agora estou a pensar num terceiro para as despesas de saúde. É como uma bola de neve que não para de crescer."

Esta espiral de endividamento não é um fenómeno isolado. Bancos e instituições financeiras especializadas em crédito pessoal reportam aumentos de procura na ordem dos 30% face ao ano anterior. O que mais preocupa os analistas é que este crescimento ocorre num contexto de taxas de juro em alta, tornando o custo do crédito progressivamente mais pesado para os orçamentos familiares.

O mercado responde com uma oferta cada vez mais diversificada. Desde os tradicionais créditos pessoais até às novas modalidades de "buy now, pay later" (compre agora, pague depois), as opções multiplicam-se. As fintechs entraram no jogo com propostas agressivas, prometendo aprovação em minutos e taxas competitivas. Mas especialistas alertam para os perigos desta facilidade de acesso.

"Estamos a assistir a uma normalização do endividamento que pode ter consequências graves a médio prazo", adverte Pedro Silva, economista especializado em finanças pessoais. "Muitas famílias não percebem que estão a usar crédito para financiar despesas correntes, o que é como usar um remédio forte para tratar uma constipação."

A psicologia por trás destas decisões financeiras revela padrões interessantes. Estudos comportamentais mostram que a inflação altera a perceção do valor do dinheiro, levando as pessoas a subestimar o impacto real do endividamento. Quando tudo parece mais caro, um pagamento mensal de 50 euros pode parecer insignificante, mas multiplicado por vários créditos transforma-se num fardo considerável.

As instituições de supervisão começam a mostrar preocupação. O Banco de Portugal tem vindo a apertar as regras de concessão de crédito, mas o desafio é equilibrar a proteção dos consumidores com a necessidade de manter o fluxo de crédito na economia. Enquanto isso, associações de defesa do consumidor reportam aumentos nas queixas relacionadas com práticas comerciais agressivas na venda de crédito.

A digitalização trouxe novas dimensões a este problema. Plataformas de comércio eletrónico integram opções de financiamento de forma quase impercetível, tornando o ato de contrair um crédito tão simples como clicar num botão. Esta facilidade, combinada com técnicas de marketing sofisticadas, cria um ambiente propício ao sobre-endividamento.

Mas há também histórias de sucesso. Algumas famílias estão a usar o crédito de forma estratégica, consolidando dívidas com taxas mais altas ou financiando formações que lhes permitem aumentar os seus rendimentos. A diferença, explicam os especialistas, está no planeamento e na consciência do custo real do dinheiro.

O futuro deste mercado dependerá de vários fatores. A evolução da inflação, as decisões do Banco Central Europeu sobre as taxas de juro e a capacidade de rendimento das famílias portuguesas serão determinantes. Enquanto isso, educadores financeiros defendem uma abordagem mais proativa na literacia financeira, começando nas escolas e estendendo-se aos locais de trabalho.

O que esta crise silenciosa revela é que o crédito ao consumo deixou de ser apenas uma ferramenta de financiamento para se tornar um termómetro da saúde económica das famílias portuguesas. A forma como lidamos com este desafio hoje determinará a solvência financeira de amanhã. E numa economia onde o crédito fácil se tornou a norma, a verdadeira habilidade pode ser saber quando dizer não.

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