O labirinto dos créditos ao consumo: como os portugueses estão a navegar na nova realidade financeira

O labirinto dos créditos ao consumo: como os portugueses estão a navegar na nova realidade financeira
Num café de Lisboa, Maria, 42 anos, consulta o telemóvel enquanto espera pelo seu expresso duplo. Não está a verificar as redes sociais ou a ler notícias. Está a comparar taxas de juro de créditos pessoais. Há seis meses que esta arquiteta tenta consolidar três empréstimos diferentes num só, mas a matemática não fecha. A sua história é a de milhares de portugueses que, entre a inflação persistente e o aumento do custo de vida, se veem forçados a recorrer ao crédito para sobreviver.

Os números contam uma história preocupante. Segundo dados do Banco de Portugal, o crédito ao consumo cresceu 6,2% no último ano, atingindo níveis que não se viam desde antes da pandemia. Mas este crescimento não é uniforme. Enquanto os créditos para educação e saúde mostram uma ligeira contração, os empréstimos para despesas correntes dispararam 14,3%. É como se os portugueses estivessem a usar o cartão de crédito para pagar a conta do supermercado - e em muitos casos, é exatamente isso que está a acontecer.

O que mudou no panorama do crédito em Portugal? A resposta está nas pequenas letras dos contratos e nas decisões quotidianas das famílias. As taxas variáveis, outrora vistas como opção mais económica, tornaram-se uma roleta russa financeira. Com os sucessivos aumentos das taxas de juro do BCE, muitos portugueses viram as suas prestações mensais aumentar em 30% ou mais, sem qualquer aumento correspondente nos seus rendimentos.

Mas há uma revolução silenciosa a acontecer nos bastidores do sistema financeiro português. As fintechs e os novos players do mercado estão a desafiar os bancos tradicionais com produtos mais transparentes e processos mais ágeis. Enquanto um banco tradicional pode demorar semanas a aprovar um crédito, estas novas empresas conseguem fazê-lo em 24 horas. A conveniência tem um preço, claro, mas para muitos consumidores, a velocidade vale a pena.

O problema é que esta velocidade pode mascarar armadilhas. Os especialistas em literacia financeira alertam para o que chamam de "crediteísmo fácil" - a tendência para contrair empréstimos sem uma análise cuidadosa das condições a longo prazo. Muitos portugueses, pressionados por necessidades imediatas, assinam contratos sem compreender totalmente as implicações das cláusulas de incumprimento ou dos seguros associados.

Há também uma mudança geracional em curso. Os millennials e a geração Z abordam o crédito de forma radicalmente diferente dos seus pais. Enquanto a geração anterior via o crédito como último recurso, os mais jovens encaram-no como ferramenta estratégica. Usam cartões de crédito com períodos de carência para gerir fluxo de caixa, recorrem a empréstimos entre particulares para projetos específicos, e estão mais dispostos a contrair dívida para investir em educação ou em negócios próprios.

Esta mudança de mentalidade traz novos riscos. As redes sociais estão repletas de "influencers financeiros" que prometem fórmulas mágicas para gerir créditos, muitas vezes sem qualificações adequadas. Seguir conselhos errados pode levar a situações de sobre-endividamento que demoram anos a resolver.

O lado mais sombrio desta história revela-se nas estatísticas de incumprimento. Embora os números globais se mantenham estáveis, há bolsas de preocupação emergentes. Os reformados, por exemplo, representam um segmento crescente dos devedores em dificuldades. Muitos recorrem a créditos para complementar pensões que não acompanham a inflação, criando uma espiral de dívida difícil de quebrar.

As soluções existem, mas requerem ação concertada. Os programas de reestruturação de dívida, como os oferecidos pela Comissão de Acesso ao Crédito, têm tido resultados mistos. Enquanto alguns devedores conseguem renegociar condições mais favoráveis, outros encontram barreiras burocráticas que prolongam o seu sofrimento financeiro.

O futuro do crédito ao consumo em Portugal dependerá de como respondemos a três desafios fundamentais: a educação financeira desde cedo, a regulação adequada dos novos players do mercado, e a criação de redes de segurança para os mais vulneráveis. Sem estas medidas, arriscamo-nos a criar uma geração presa num ciclo de dívida do qual será difícil escapar.

Enquanto isso, nas ruas de Portugal, as histórias continuam. Como a do casal do Porto que usa créditos rotativos para pagar a creche dos filhos, ou do jovem de Coimbra que contraiu três empréstimos diferentes para financiar o seu mestrado. São estas narrativas humanas, mais do que os números frios, que revelam a verdadeira face do crédito ao consumo no Portugal de hoje.

O que está em jogo não é apenas a saúde financeira das famílias, mas a resiliência económica do país como um todo. Um consumidor endividado é um consumidor que não consegue poupar, investir ou contribuir para o crescimento sustentável. A forma como gerimos esta realidade determinará não apenas o nosso presente económico, mas o legado que deixaremos para as gerações futuras.

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